terça-feira, 27 de novembro de 2012

Hipster metal

A MALDIÇÃO DO HIPSTER METAL - UM ESTUDO EM PROFUNDIDADE


 Um hipster/deathcore boy com um corte de cabelo horrendo, alargadores igualmente horrendos que mereciam ser pescados com uma vara e puxados, e uma camiseta do Mayhem, posicionando-se de forma irônica, eclética e faceira sobre o gênero mais malvado do metal, o black metal. Tá aí um cidadão que merecia apanhar. Muito. 

Vou começar dizendo um clichê. Jamais imaginei que... Jamais imaginei que o metal extremo fosse virar algo hipster e descoladinho, sinônimo de uma espécie de intelectualidade, com um verniz obscuro e ameaçador. Mas quando as coisas chegam ao ponto do Thurston Moore entrar numa banda de black metal (coisa que ele não faria em 1992 nem sob ordem judicial), dele sequer se interessar por isso, significa que esse dia chegou. O metal extremo está sendo não só aceito, como também admirado, e produzido, por um grupo de posers.

Acabou. Fechem a loja.

Algo tem se abatido sobre o gênero músical número um de gente não sofisticada e ogra, que curte rock.
Finalmente, os hipsters descobriram o heavy metal. E se apossaram dele.

Tentando entender esse fenômeno, escrevi esse LIVRO sobre o assunto. Só entendendo algo em profundidade chegaremos a seu complicamento completo e complexo. E assim me divirto também. Começo procurando contextualizar o que é o que. O texto é longo. Mas e daí? Você está ocupado? Não, você está na INTERNET, e ninguém que está na internet está ocupado. Portanto engula o choro e leia essa porra. Acompanhem-me os fortes.

Façamos então breve definições do que é o metal, e o que é o hipster, para subsequentemente desabrochar esse RELEVANTE debate. 

Heavy metal é sobre cavalgar no cavalo da vida, seguindo, ceifando inimigos e fazendo seu próprio destino, decepando cabeças, conquistando problemas e mulheres (dois elementos que tem muito em comum, aliás). Enfim, o heavy metal é sobre viver e ser, sendo foda.

Hipsterismo é sobre ser descolado, blasê, intelectual e irônico. Entretendo sua turma com comentários e referencias sobre cultura pop. Tendo um visual style.

Estas definições estão breves. Vamos tentar dar profundidade a idéia de o que é um hipster: pessoas envolvidas em atividades culturais de "vanguarda", que procuram aquilo que é novo, e se definem através disso. O hipster também é um provocador, na verdade, um provocateur, já que alguns deles vivem na île-de-france, como veremos abaixo, e um diletante, sempre divertindo-se com aquilo que gosta, ou a o que se dedica, levando a coisa com um ar de ironia.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Death Fan Club



Na metade dos anos 90,  94, acho, comecei a escrever para a banda Death. Não tinha acesso a internet, seu uso não era lugar comum, como todos aí sabem. A paisagem online ainda era dominada por BBSs e conexões discadas. Portanto, enviei uma carta para eles na Flórida, explicando minha apreciação da banda, e rapidamente fui aceito no seu fã-clube.

O presidente era um tal de "Dan Robinson", pessoa que, depois me informou a internet, era o próprio Chuck. Como dizia o editorial do primeiro número do Zine deles, o "Metal Crusade":

ALL letters are passed onto Chuck Schuldiner, who spends time each week reading Fan Mail. The METAL CRUSADE office is based in Chuck's home town so he receives your letters immidiately. 

Como podemos ver, o Chuck mesmo lia tudo. Grande atitude do músico. Uma vez ele respondeu uma carta que meu amigo Denis Pereira mandou. Endereçou-a diretamente ao Denis. Ele, que como eu, tinha uns 17 anos na ocasião, contava para Chuck que jogava muito futebol. Chuck foi simpático e me lembro que sua carta manuscrita falava para Denis "keep up the killer soccer playing!". Palavras positivas e de um estimulo FOFO a nós, jovens ingênuos e cretinos, feitas com sinceridade por um músico que até hoje eu admiro muito. Aliás, confesso que chorei como uma menina que perdeu a sandália em um filme Iraniano quando ele morreu em 2001. O Death foi uma banda que realmente mudou minha visão de música.

 Chuck, praticando a arte de ser fofo em plenos anos 90, quando, dentro do death metal, ou você era malvado... Ou você era malvado. 

Enfim, tirei umas fotos do fanzine que ele mandava para nós, o Metal Crusade. O zine tinha diversas (e divertidas) palavras de ordem sobre o Heavy Metal (Support music, not rumors!) receitas de comida que o Chuck fazia, desenhos bacanas, e, claro, novidades sobre a banda. Também vendia camisetas (comprei uma do Individual, que depois dei para alguém, não sei quem) e canecas, além de uma espécie de espuma para não deixar a cerveja esfriar (ganhei uma dessas do Chuck, de grátis, mas um cachorro comeu). 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

UMA BREVE ANÁLISE DE CABO DO MEDO


UMA BREVE ANÁLISE DE CABO DO MEDO
De Martin Scorsese


"Cape Fear", de 1962, com Robert Mitchum e Gregory Peck

“Cabo do Medo” é uma refilmagem de um filme dos anos 60 feita por Martin Scorsese no inicio dos anos 90. Vi esse filme com meus amigos Leonardo e Denis em um cinema do centro de São Paulo na época de seu lançamento, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que o filme conta a história de um homem, Max Cady (Robert Deniro) que foi condenado a cadeia por estupro. Sua condenação se deu, se em muito, devido ao fato de que seu advogado, Sam Bowden, deliberadamente o defendeu mal, tendo consciência de que seu cliente era um estuprador. Quando finalmente solto, Cady resolve partir para a vingança, perseguindo Bowden e sua família. Aqui vou analizar algumas cenas do filme e sua construção.
            No inicio do filme, temos uma seqüência interessante de cortes marcantes com mudança de ângulo de câmera na cena em que Jessica Lange (Leigh Bowden)  está se observando no espelho, até ser abordada por Nick Nolte (Sam Bowden). A abordagem é repentina e desperta surpresa e atenção. Esse, na verdade, é a forma narrativa do filme: cortes bruscos e repentinos que levantam a atenção e deixam o espectador em um estado constante de tensão e expectativa.


    Outra cena que segue essa máxima apresenta-se na seqüência em que Sam Bowden é abordado por Robert DeNiro (Max Cady) no estacionamento, e fica claro o desconforto entre os dois personagens (nesse momento Cady finalmente se identifica como um antigo "cliente" de Bowden, e seu método de intimidação através do estabelecimento de um estado de tensão e insegurança constante tornam-se claros). Os cortes da cena são rápidos e alternam entre Cady e Bowden se observando e discutindo pacificamente, mas apenas nas superfície, pois esta claro o estado de constante tensão que se passa por debaixo das aparências. A posição de Cady, apoiando-se sobre o carro de Bowden e este inferiorizado por estar sentado (e sendo mostrado da perspectiva de Cady como menor) também informa sobre a relação entre os dois.
Com a crescente tensão do filme, os cortes tornam-se gradualmente mais bruscos. É importante notar a presença da música de Elmer Bernstein e Bernard Herrmann como agente fundamental e complementador da edição do filme (realisada por Thelma Schoonmaker, que desenvolveu parceria notoria com Scorcese ao longo dos anos). Outra cena em que o corte marca presença é quando Sam entra no escritório de seu amigo detetive e lhe pede uma arma. O corte é feito a partir de uma cena em que a porta da casa dos Bowden é batida e com o impacto somos levados ao escritório.
Temos uma interessante elipse quando Nolte, em seu escritório, atende ao telefone após ser informado de que sua esposa precisa falar com ele. Na seqüência já temos ele se dirigindo a sua casa, tenso, pois o cachorro da família foi envenenado (entretanto apenas descobrimos isso assim que ele chega). A tensão é mantida pois sabemos que algo de ruim está acontecendo, só não sabemos o que. Assim a narrativa do filme se constrói causando pequenos momentos de constante desconforto no espectador.
Quando Danny (Juliette Lewis), a filha de Bowen, sai da escola após ser "seduzida" pelo "professor de teatro" (novamente Cady) temos outra elipse, onde não podemos ver o percurso que ela fez mas sim está subentendido que ela esta voltando, e seu desespero se deve a presença e a maneira desconfortável com que Cady a tratou, alternando entre o sedutor e o perigoso.
Uma seqüência interessante onde o suspense é crescente se da quando a família prepara uma armadilha para Cady com auxílio do investigador. A tensão é constante, e seu clímax culmina nas mortes da serviçal da família e do investigador.  Trata-se de uma cena desagradável onde Bowden escorrega no sangue da vítima no chão da cozinha, e perde o controle, saindo ensandecido e dando disparos na porta da casa. O conflito se estabelece quando vemos que Cady tomou o lugar da serviçal e vai matar o investigador, sabemos disso e somos cúmplices de Cady, não podemos fazer nada assim que a tomada é cortada, ficando fadados a aguardar os resultados.
A seqüência final é grandiosa e catastrófica. Toda a tensão acumulada ao longo do filme é finalmente liberada nos minutos finais de forma grandiloqüente e apocalíptica. Ela se constrói a partir do momento em que o cenário inóspito se põe presente (um barco a beira do rio, a noite) e a tempestade crescente que se apresenta conforme a edição se torna mais ágil e fragmentada. O clímax é atingido quando temos a família a mercê de Cady, seus jogos de tortura com Sam e a alternação de ameaças a Leigh (esposa) e Danny. Temos a simulação de um julgamento de acordo com a ética doentia de Cady, que demonstra o lado falho do "herói" do filme  (Bowden). De uma forma ou de outra ele agiu errado: omitiu um fato na corte e não cumpriu seu papel moral como advogado. Ninguém é limpo de acordo com Scorsese (Bowden também flerta com uma colega de trabalho no inicio do filme, em mais uma indicação de sua dubiedade de caráter). Cady é uma lembrança disso, trás isso a tona. 


Com o clímax final temos a quebra da aparente felicidade estável da família colocada a mercê de um psicopata metódico. Bowden, algemado, está submetido aos atos de Cady que age como Júri, Juiz e Carrasco. Ele faz citações bíblicas ("Você esta condenado ao nono circúlo do inferno, o circúlo dos traidores!") dando um aspecto religioso ao martírio que impõe sobre a família. Cady é queimado por Danny, em uma cena que desperta surpresa e desconforto, mas finalmente alivio (estaremos livres dele?). Evidente que, como em todo bom thriller, as coisas não são tão fáceis assim, e o criminoso volta em um momento surpresa, agarrando Bowden e dando continuidade a atmosfera de tensão constante. Finalmente, quando o barco perde controle na tempestade temos uma alternação de cenas do barco fora de controle e a luta interior no interior dos dois personagens centrais. Tanto o barco como a câmera giram, causando a sensação de turbulência e tensão. A água e jogada mas volta, retrocede, e finalmente eles caem em uma espécie de praia.  Lá, inicia-se a luta selvagem entre os dois (chegam a usar pedras) e Cady age como a consciência de Bowden, sempre eufórico, apocalíptico. Ele é a consciência que não vai embora, nunca morre, atormenta.  Finalmente Cady afunda, lentamente, e morre. Bowden lava as mãos do sangue (sua culpa?) algo que nunca irá embora. Ele não está limpo, e Max Cady irá sempre lhe lembrar disso. 



A construção dessa seqüência é feita de forma crescente, a narrativa torna-se mais dinâmica à medida que o tempo passa e o clímax da luta final leva a um final desconfortável e inquietante. A última cena é tomada pelos  olhos inocentes (?) de Danny negativados, nos observando enquanto os observamos de volta. . "Se você vive no passado, morre um pouco a cada dia" é a frase final.     
Podemos não viver no passado, mas ele sempre será nossa sombra, sempre por perto, para nos lembrar do que somos e fizemos.