quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Dracula

Drácula de Todd Browning foi lançado nas telas norte-americanas em 1931. Desde suas primeiras exibições já foi considerado um clássico inovador do gênero Horror, assim como estabeleceu a carreira de Bela Lugosi como importante ator de gênero (gênero esse que o marcou tão fortemente que ele jamais conseguiu se livrar do estigma de ator de filmes de horror). A versão adaptada por Browning é baseada em uma peça de teatro muito popular na época, e não foi exatamente fiel ao romance original de Bram Stoker. Isso, entretanto, não impediu o filme de ser um grande sucesso. Anunciado como “A mais estranha história de amor”, o filme também deu início a uma série de obras de horror da distribuidora Universal, que marcaram os anos trinta, e caracterizou a maneira como vampiros, e filmes de vampiros seriam mostrados no cinema.


Todd, um dos maiores diretores de Horror do século XX.

O filme inicia-se na Transilvânia, um lugar onde hoje temos a Romênia. Renfield (Dwight Frye) é um jovem corretor de imóveis que vai visitar um importante cliente local, o Conde Drácula, que demonstrara interesse em adquirir uma propriedade na Inglaterra. Ao chegar na pequena vila próxima ao castelo de Dracula, o sol se poe no céu enegrecido, e entra a escuridão. Os moradores do pequeno e pré-medieval vilarejo fecham as portas de suas casas e guardam os animais. Um estalajadeiro logo adverte Renfield para que tome cuidado ao cruzar o passo borgo, parte do caminho que leva ao castelo do Conde.

Renfield tome um coche e dirige-se para o passo. Lá, entre a bruma noturna, é encontrado por uma carruagem mandada por Drácula, que lhe aguarda. Ele não ve quem esta a frente da carruagem, mas entra assim mesmo. A carruagem finalmente sobe e para na frente do castelo de Drácula, passando por um caminho tenebroso, uma floresta semi morta e deserta. Renfield desce da carruagem e descobre que não há ninguém na frente. Entre a bruma e os morcegos ele caminha para porta. É recebido pelo próprio conde, de roupão, que o convida para entrar e beber. Quando Renfield lhe pergunta se ele também não vai beber, Drácula responde: “Eu nunca bebo... vinho”.

Renfield logo torna-se o escravo do vampiro, levado lentamente a loucura hipnótica de Drácula. Drácula tem um plano, e Renfield não passa de um peão em seu jogo. Ele aprisiona o homem e transforma ele em seu escravo. Renfield, enlouquecido, colabora com Drácula, levando seu caixão para o porto e embarcando com ele em um navio com destino a Inglaterra. Finalmente o navio atinge o seu destino, o porto de Londres. Mas todos os passageiros a bordo estão mortos, brancos, com a impressão do terror congelada na face, e marcas de mordidas no pescoço. Renfield havia libertado Drácula de seu sono profundo durante a viagem, aberto o caixão, e deixado o principe das trevas se alimentar do sangue dos tripulantes. O navio fantasma então chega em Londres, trazendo a sua maldição. Renfield é encontrado pela polícia, rindo loucamente, e é imediatamente preso. Passa então a comer insetos na prisão, totalmente tomado pela loucura causada pelo Conde.

Drácula sai aterrorizando Londres, causando vítimas nas ruas. Logo ele encontra duas belas jovens, Mina (Helen Chandler) e Lucy (Frances Dade), numa peça de teatro. A mansão da família delas é próxima do lar de Drácula, e ele passa a visita-las sob várias formas: um lobo, um morcego, névoa e até a sua própria forma profana. Ele suga o seu sangue e lentamente as suas vidas. Lucy perece, mas Mina insiste em se juntar a Drácula. Essa idéia traz obriga o pai de Mina, o Dr.Seward (Herbert Buston) e o noivo de Mina John (David Manners) a contatar um especialista.

O cientista e matador de vampiros Van Helsing (Edward Van Sloan) entra em cena. Ele consegue convencer Drácula a ficar de frente a um espelho, o teste para se detectar o “vampirismo”, e a imagem de Drácula, naturalmente, não se reflete. Infurecido, o principe das trevas quebra o espelho, e ataca Van Helsing, que mostra ao demonio da noite uma cruz. Este, horrorizado, foge. John e Val Helsing seguem Drácula e encontram ele fugindo com Mina (hipnotizada) e entrando nas catacumbas em que ele mora. Drácula se tranca em seu caixão, mas Van Helsing perfura-o com uma estaca, e seu corpo treme, transforma-se em um esqueleto, então pó. Mina sai do feitiço de Drácula e agradece aos seus salvadores, terminando por abraçar seu amado John.

Drácula foi uma das primeiras produções de horror do estúdio universal (que depois iria lançar uma série de filmes no gênero, além de continuações) foi logo seguido de “Frankenstein”de James Whale, com Boris Karloff. O filme foi um gigantesco sucesso comercial, e a Universal não pestanejou ao aplicar propagando pesada para promover o filme. Escreveram cartas para hospitais e médicos perguntado se vampiros realmente existiam, colocaram enfermeiras e prontos-socorros em cinemas que exibiam o filme para atender pessoas que ficassem muito chocadas de medo no filme, novelizaram o livro Drácula no radio, etc. Deu certo.

O filme é muito mais inspirado na peça teatral de Hamilton Deane (amigo de Stoker que adaptou a obra em 1925) do que no livro em si, mesmo assim é razoavelmente fiel a história de Stoker. Algumas mudanças mais “radicais” podem, e devem, entretanto serem comentadas: Renfield é um personagem que, tanto no livro como em outras adaptações cinematográficas já fazia parte da corte de escravos dominados por Drácula. Quem é o corretor imobiliário que vai a Transilvânia naquela noite é o próprio Jonathan Harker, namorado de Mina. Ele não é enlouquecido pelo vampiro, mas sim preso por ele. Assim como o Dr. Seward, que no livro é pretendente de Lucy, mas no filme é mostrado como pai de Mina.

A importância de Drácula esta no fato de que ele delimitou muito de como os filmes de horror deveriam ser feitos, e são feitos, até hoje em dia. Toda cenografia, direção de fotografia e direção de arte de Drácula deram o tom gótico e macabro do horror clássico. Temos uma Inglaterra vitoriana contrastando com as roupas e modelitos anos trinta sendo ostentados por alguns figurantes, a própria visão do conde com seu cabelo negro para trás e a capa preta definiu o que se espera de uma personagem vampiresca, muito do próprio castelo de Drácula deve ao próprio expressionismo alemão, movimento célebre por seus filmes (também pioneiros do horror) como Nosferatu (de F. Murnau) e O Gabinete do Dr. Caligári (de Wiene). As escadarias retângulares, cobertas de teias de aranha, as cadeiras vitorianas ao estilo Luis XVI, a armação gótica das janelas... Drácula é um filme de tons e ambientes.

A própria atuação de Frye como o insano Renfield caracterizou o estereotipo de louco no cinema. Ao mesmo tempo, temos as florestas e montanhas assombradoras da Trânsilvania, tudo com fotografia impecável, de Karl Freund. Este é o clássico filme de horror gótico.

Contribuindo para a atmosfera inquietante do filme, temos a ausência de uma trilha sonora. Ocasionalmente o “Lago dos cisnes”de Tchaikovsky corta o ar como uma navalha fria, mas predomina o silêncio sepulcral. O que mais ouvimos, no castelo de Drácula, é o arrastar de correntes, portas se fechando, rangendo, uivos de lobos na noite. É a cacofonia sonora do horror.

O autor do livro, Abraham Stoker, foi um professor inglês que se intressou pela região da Transilvânia. Em seus estudos notou que havia muitos mitos e lendas sobre Vlad, o Impalador, ou Vlad Tepes, um príncipe balcânico responsável por algumas milhares de mortes e o desenvolvimento de cruéis métodos de tortura.

A mesma historia já havia rendido duas versões não-oficiais na Alemanha: Vampyr, de Carl Dreyer (mas também muito inspirado na novella “Carmilla”de Sheridan Le Fanu) e Nosferatu, já citado, de Murnau. O filme de Browning, entretanto, foi o marco definitivo para o reconhecimento da história do conde das trevas no cinema. Deu-se inicio a uma série literalmente incontável de filmes sobre vampiros, que seguiu ao longo do século. Desde filmes de vampiros mexicanos (filmados no mesmo set do Drácula de Browning) até verdadeiras evoluções no gênero.

Temos toda uma fase do estudio inglês Hammer,que entre a metade dos anos sessenta e o começo dos anos setenta produziu dezenas de filmes de horror inspirados em Drácula, sua grande maioria com o marcante Christopher Lee (numa interpretação mais agressiva do vampiro, que tem um certa presença nobre atribuida a ele por Lugosi). Os estudios Hammer foram extremamente prolíficos, nos dando pérolas como “Horror of Dracula”, “Brides of Dracula”, “Dracula – Prince of Darkness” e etc. Infelizmente o estúdio entrou em decadência, e passou a fazer filmes de horror de qualidade inferior, com fortes doses de nudez e sexo para tentar recuperar seu público (dessa fase saem obras como “Twins of evil” e “Countess Dracula” além do hilário “Dracula A.D. 1972” onde temos uma patética tentativa de “modernização”do vampiro (para os anos setenta, evidentemente) o que torna tudo, hoje em dia, mais falido e cômico.

Nos anos sessenta ainda tivemos a genial paródia da história de Drácula no filme de Roman Polanski “A dança dos vampiros”.

Entretanto, recentemente, o gênero teve um “revival” desde os anos oitenta, com obras como “A Hora do Espanto” e “Quando chega a escuridão”. A onda de “slasher flicks”, ou filmes sobre serial killers (como a célebre série “Sexta Feira Treze” ou “O massacre da serra elétrica”, a “A familia de Sádicos", "The Last House on the Left", etc) despertaram novo interesse da industria cinematográfica no gênero horror, agora um horror jovem e barulhento. Assim, diretores como Wes Craven e Sean Cunnigham passaram a fazer muito sucesso, e vampiros não foram esquecidos como um importante atrativo ao horror. Além dos filmes citados tivemos os sucessos de “vampiros jovens” em filmes como “Os garotos perdidos”, “Fome de viver”, “Innocent Blood” ou até mesmo a recente adaptação de Francis Ford Coppola da mesma história de Stoker, ou “Entrevista com vampiro”de Jordan, e até mesmo John Carpenter, outro cultuado diretor de filmes de horror e suspense fez, em 1998, seu filme sobre o tema: “Vampires”.

O diretor

Todd Browning nasceu em Kentucky, em 12 de Julho de 1880. Aos dezesseis anos fugiu de casa para tornar-se um artista de circo, aonde trabalhou como contorcisonista, acrobata e palhaço. Logo ele começou a atuar nos nickelodeons da Biograph, produtora onde trabalhava David Griffith. Browning continuou a trabalhar com Griffith como ator mesmo depois do fim da Biograph, chegando a ser extra em “Intolerância”. Após muito atuar, decidiu tornar-se diretor, e fez seus primeiros curtas com aval e patrocinio de David Griffith na produtora Triangle Studios. Browning logo consolidou seu nome com vários curtas e filmes de longa-metragem. Após fazer Drácula fez o impressionante “Freaks”, um filme sobre (e com) aberrações de circo. Retratando a vida dessas pessoas deformadas que compoe uma classe separada na própria hiererquia do comunidade circense. Browning tornou-se um célebre diretor de horror, chamado por muitos o Edgar Allan Poe do cinema. “Feaks” causou contrvérsia por onde passou, e é proibido até hoje em alguns paises, como a Inglaterra..

Surgiu então a oportunidade de fazer Drácula de Bram Stoker. A primeira opção de Browning para o papel do Conde foi o ator Lon Chaney, ou o “Homem de mil faces”, o tradicional ator de filmes de horror antigo com seu rosto gótico e perturbador. Chaney fez clássicos como “London after midnight” do próprio Todd Browning e “O Corcunda de Notre-Dame”. Entretanto, ele morreu logo após o convite, fazendo com que tivessem que procurar um novo ator. Sua primeira escolha foi Conrad Veidt, que havia feito o papel do sonâmbulo Cesáre no clássico expressionista “O Gabinete do Dr. Caligári”, mas logo um ator novo lhe chamou atenção, e ele mudou de idéia.

O bonito galã Lon Chaney.

O Ator

Bela Lugosi nasceu na Hungria em 1882. A tentativa de revolução comunista em 1919 acabou com seus planos de continuar no país, ele havia ativamente apoiado o movimento com a idéia de conseguir melhores condições para os atores e artistas em geral. Muda-se então para a Alemanha, onde começa a atuar em vários filmes, inclusive alguns de horror (ele fez uma versão não-autorizada de “O Médico e o Monstro” de Robert Louis Stevenson). Mas as condições da Alemanha pós-primeira guerra também não eram boas para sua arte. Ele decide mudar-se para os Estados Unidos. Sem saber inglês, logo se ligou a colonia Hungara em Nova Iorque, e começou a atuar no teatro. Entretanto esse era um campo muito limitado. Ele finalmente fez uma peça em inglês, "The Red Poppy”, mas, como não sabia inglês, teve de decorar a peça fonéticamente.

Durante os anos vinte, Bela flutuou entre o cinema e o teatro. Seu forte sotaque contiunuava limitando seus papéis. Ele fez uma peça baseada em Drácula em 1927, com muito sucesso. Logo chamou a atenção de Todd Browning, que procurava o ator ideal para fazer o principe das trevas. A atuação de Lugosi em Drácula criou o tipo de vampiro que vemos no cinema hoje, seu sotaque húngaro acabou por tornar-se mais uma característica da personagem, e Lugosi tornou-se Drácula para sempre, sua imagem nunca mais se dissociou dos filmes de terror.

Lugosi teve muito sucesso nos anos trinta e quarenta, mas, entrou em franca decadência nos anos cinquenta, viciando-se em herôina, cocaína e morfina. Sem dinheiro ou respeito, e sem trabalho, tornou-se um homem recluso. Seus últimos trabalhos foram com o diretor Ed Wood, considerado o “pior cineasta do mundo”, que tentou livrar Bela das drogas e deu-lhe papeis em seus filmes de produção lamentável. Ele morreu em 16 de agosto de 1956, e seu pedido de ser enterrado com a capa de Drácula foi atendido.