domingo, 2 de dezembro de 2007

Interview with Alan Moore

This is an interview I made with author Alan Moore on the 28th, February 2007. It was published in Portuguese at the website Omelete, but most of Moore's readers, who speak English, couldn't read it. So, finally, here it is. It goes deeply into Lost Girls, his most recent major work, and I hope you will enjoy it. So much has been written about Moore's work that I doubt it is needed to introduce him much. Therefore I will attempt to put on a personal view as well as particular comments on how I see his work and persona.

To normal people, or non-comic book readers, Alan Moore must seem strange.

Well, even to comic book readers he seems strange. Alan Moore has got long hair, strange mystical rings, practices "magic" and says he worships a snake. Far from being stupid, he knows that this all creates a facade that impresses and also, to an extent, disappoints people. Some critics and readers won't take him seriously because of this, I suppose. The "official art world" (whatever that may be), for whom there are very limited ways to see, feel and behave about life.

It's brave, in a sense, of Moore to do that. Comic books and fantasy writing in general are victims of prejudice, and the fact he portraits himself, at least physically, pretty much as a weirdo is a bold statement that he does not care at all about these prejudiced views, and will go further into creating an unorthodox image, not minding if that displeases people who would otherwise take his work seriously and see how much he has to offer, how complex, sophisticated and rewarding his work is.

Alan obviously knows he has created a very curious image. And he likes it that people see him as a strange sort of crazy, weird genius.

It is a great image to create, a great image to live by, and a great image to be thought about, isn't it? Should be very fun, I think.

I mean, how many writers put on suits and glasses and pose looking to the horizon in photos made for the back cover of their books? Usually these are really "deep" books, written by an author said to have created a narrative that "untangles the intangible mysteries of the human soul"... or something like that.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Dracula

Drácula de Todd Browning foi lançado nas telas norte-americanas em 1931. Desde suas primeiras exibições já foi considerado um clássico inovador do gênero Horror, assim como estabeleceu a carreira de Bela Lugosi como importante ator de gênero (gênero esse que o marcou tão fortemente que ele jamais conseguiu se livrar do estigma de ator de filmes de horror). A versão adaptada por Browning é baseada em uma peça de teatro muito popular na época, e não foi exatamente fiel ao romance original de Bram Stoker. Isso, entretanto, não impediu o filme de ser um grande sucesso. Anunciado como “A mais estranha história de amor”, o filme também deu início a uma série de obras de horror da distribuidora Universal, que marcaram os anos trinta, e caracterizou a maneira como vampiros, e filmes de vampiros seriam mostrados no cinema.


Todd, um dos maiores diretores de Horror do século XX.

O filme inicia-se na Transilvânia, um lugar onde hoje temos a Romênia. Renfield (Dwight Frye) é um jovem corretor de imóveis que vai visitar um importante cliente local, o Conde Drácula, que demonstrara interesse em adquirir uma propriedade na Inglaterra. Ao chegar na pequena vila próxima ao castelo de Dracula, o sol se poe no céu enegrecido, e entra a escuridão. Os moradores do pequeno e pré-medieval vilarejo fecham as portas de suas casas e guardam os animais. Um estalajadeiro logo adverte Renfield para que tome cuidado ao cruzar o passo borgo, parte do caminho que leva ao castelo do Conde.

Renfield tome um coche e dirige-se para o passo. Lá, entre a bruma noturna, é encontrado por uma carruagem mandada por Drácula, que lhe aguarda. Ele não ve quem esta a frente da carruagem, mas entra assim mesmo. A carruagem finalmente sobe e para na frente do castelo de Drácula, passando por um caminho tenebroso, uma floresta semi morta e deserta. Renfield desce da carruagem e descobre que não há ninguém na frente. Entre a bruma e os morcegos ele caminha para porta. É recebido pelo próprio conde, de roupão, que o convida para entrar e beber. Quando Renfield lhe pergunta se ele também não vai beber, Drácula responde: “Eu nunca bebo... vinho”.

Renfield logo torna-se o escravo do vampiro, levado lentamente a loucura hipnótica de Drácula. Drácula tem um plano, e Renfield não passa de um peão em seu jogo. Ele aprisiona o homem e transforma ele em seu escravo. Renfield, enlouquecido, colabora com Drácula, levando seu caixão para o porto e embarcando com ele em um navio com destino a Inglaterra. Finalmente o navio atinge o seu destino, o porto de Londres. Mas todos os passageiros a bordo estão mortos, brancos, com a impressão do terror congelada na face, e marcas de mordidas no pescoço. Renfield havia libertado Drácula de seu sono profundo durante a viagem, aberto o caixão, e deixado o principe das trevas se alimentar do sangue dos tripulantes. O navio fantasma então chega em Londres, trazendo a sua maldição. Renfield é encontrado pela polícia, rindo loucamente, e é imediatamente preso. Passa então a comer insetos na prisão, totalmente tomado pela loucura causada pelo Conde.

Drácula sai aterrorizando Londres, causando vítimas nas ruas. Logo ele encontra duas belas jovens, Mina (Helen Chandler) e Lucy (Frances Dade), numa peça de teatro. A mansão da família delas é próxima do lar de Drácula, e ele passa a visita-las sob várias formas: um lobo, um morcego, névoa e até a sua própria forma profana. Ele suga o seu sangue e lentamente as suas vidas. Lucy perece, mas Mina insiste em se juntar a Drácula. Essa idéia traz obriga o pai de Mina, o Dr.Seward (Herbert Buston) e o noivo de Mina John (David Manners) a contatar um especialista.

O cientista e matador de vampiros Van Helsing (Edward Van Sloan) entra em cena. Ele consegue convencer Drácula a ficar de frente a um espelho, o teste para se detectar o “vampirismo”, e a imagem de Drácula, naturalmente, não se reflete. Infurecido, o principe das trevas quebra o espelho, e ataca Van Helsing, que mostra ao demonio da noite uma cruz. Este, horrorizado, foge. John e Val Helsing seguem Drácula e encontram ele fugindo com Mina (hipnotizada) e entrando nas catacumbas em que ele mora. Drácula se tranca em seu caixão, mas Van Helsing perfura-o com uma estaca, e seu corpo treme, transforma-se em um esqueleto, então pó. Mina sai do feitiço de Drácula e agradece aos seus salvadores, terminando por abraçar seu amado John.

Drácula foi uma das primeiras produções de horror do estúdio universal (que depois iria lançar uma série de filmes no gênero, além de continuações) foi logo seguido de “Frankenstein”de James Whale, com Boris Karloff. O filme foi um gigantesco sucesso comercial, e a Universal não pestanejou ao aplicar propagando pesada para promover o filme. Escreveram cartas para hospitais e médicos perguntado se vampiros realmente existiam, colocaram enfermeiras e prontos-socorros em cinemas que exibiam o filme para atender pessoas que ficassem muito chocadas de medo no filme, novelizaram o livro Drácula no radio, etc. Deu certo.

O filme é muito mais inspirado na peça teatral de Hamilton Deane (amigo de Stoker que adaptou a obra em 1925) do que no livro em si, mesmo assim é razoavelmente fiel a história de Stoker. Algumas mudanças mais “radicais” podem, e devem, entretanto serem comentadas: Renfield é um personagem que, tanto no livro como em outras adaptações cinematográficas já fazia parte da corte de escravos dominados por Drácula. Quem é o corretor imobiliário que vai a Transilvânia naquela noite é o próprio Jonathan Harker, namorado de Mina. Ele não é enlouquecido pelo vampiro, mas sim preso por ele. Assim como o Dr. Seward, que no livro é pretendente de Lucy, mas no filme é mostrado como pai de Mina.

A importância de Drácula esta no fato de que ele delimitou muito de como os filmes de horror deveriam ser feitos, e são feitos, até hoje em dia. Toda cenografia, direção de fotografia e direção de arte de Drácula deram o tom gótico e macabro do horror clássico. Temos uma Inglaterra vitoriana contrastando com as roupas e modelitos anos trinta sendo ostentados por alguns figurantes, a própria visão do conde com seu cabelo negro para trás e a capa preta definiu o que se espera de uma personagem vampiresca, muito do próprio castelo de Drácula deve ao próprio expressionismo alemão, movimento célebre por seus filmes (também pioneiros do horror) como Nosferatu (de F. Murnau) e O Gabinete do Dr. Caligári (de Wiene). As escadarias retângulares, cobertas de teias de aranha, as cadeiras vitorianas ao estilo Luis XVI, a armação gótica das janelas... Drácula é um filme de tons e ambientes.

A própria atuação de Frye como o insano Renfield caracterizou o estereotipo de louco no cinema. Ao mesmo tempo, temos as florestas e montanhas assombradoras da Trânsilvania, tudo com fotografia impecável, de Karl Freund. Este é o clássico filme de horror gótico.

Contribuindo para a atmosfera inquietante do filme, temos a ausência de uma trilha sonora. Ocasionalmente o “Lago dos cisnes”de Tchaikovsky corta o ar como uma navalha fria, mas predomina o silêncio sepulcral. O que mais ouvimos, no castelo de Drácula, é o arrastar de correntes, portas se fechando, rangendo, uivos de lobos na noite. É a cacofonia sonora do horror.

O autor do livro, Abraham Stoker, foi um professor inglês que se intressou pela região da Transilvânia. Em seus estudos notou que havia muitos mitos e lendas sobre Vlad, o Impalador, ou Vlad Tepes, um príncipe balcânico responsável por algumas milhares de mortes e o desenvolvimento de cruéis métodos de tortura.

A mesma historia já havia rendido duas versões não-oficiais na Alemanha: Vampyr, de Carl Dreyer (mas também muito inspirado na novella “Carmilla”de Sheridan Le Fanu) e Nosferatu, já citado, de Murnau. O filme de Browning, entretanto, foi o marco definitivo para o reconhecimento da história do conde das trevas no cinema. Deu-se inicio a uma série literalmente incontável de filmes sobre vampiros, que seguiu ao longo do século. Desde filmes de vampiros mexicanos (filmados no mesmo set do Drácula de Browning) até verdadeiras evoluções no gênero.

Temos toda uma fase do estudio inglês Hammer,que entre a metade dos anos sessenta e o começo dos anos setenta produziu dezenas de filmes de horror inspirados em Drácula, sua grande maioria com o marcante Christopher Lee (numa interpretação mais agressiva do vampiro, que tem um certa presença nobre atribuida a ele por Lugosi). Os estudios Hammer foram extremamente prolíficos, nos dando pérolas como “Horror of Dracula”, “Brides of Dracula”, “Dracula – Prince of Darkness” e etc. Infelizmente o estúdio entrou em decadência, e passou a fazer filmes de horror de qualidade inferior, com fortes doses de nudez e sexo para tentar recuperar seu público (dessa fase saem obras como “Twins of evil” e “Countess Dracula” além do hilário “Dracula A.D. 1972” onde temos uma patética tentativa de “modernização”do vampiro (para os anos setenta, evidentemente) o que torna tudo, hoje em dia, mais falido e cômico.

Nos anos sessenta ainda tivemos a genial paródia da história de Drácula no filme de Roman Polanski “A dança dos vampiros”.

Entretanto, recentemente, o gênero teve um “revival” desde os anos oitenta, com obras como “A Hora do Espanto” e “Quando chega a escuridão”. A onda de “slasher flicks”, ou filmes sobre serial killers (como a célebre série “Sexta Feira Treze” ou “O massacre da serra elétrica”, a “A familia de Sádicos", "The Last House on the Left", etc) despertaram novo interesse da industria cinematográfica no gênero horror, agora um horror jovem e barulhento. Assim, diretores como Wes Craven e Sean Cunnigham passaram a fazer muito sucesso, e vampiros não foram esquecidos como um importante atrativo ao horror. Além dos filmes citados tivemos os sucessos de “vampiros jovens” em filmes como “Os garotos perdidos”, “Fome de viver”, “Innocent Blood” ou até mesmo a recente adaptação de Francis Ford Coppola da mesma história de Stoker, ou “Entrevista com vampiro”de Jordan, e até mesmo John Carpenter, outro cultuado diretor de filmes de horror e suspense fez, em 1998, seu filme sobre o tema: “Vampires”.

O diretor

Todd Browning nasceu em Kentucky, em 12 de Julho de 1880. Aos dezesseis anos fugiu de casa para tornar-se um artista de circo, aonde trabalhou como contorcisonista, acrobata e palhaço. Logo ele começou a atuar nos nickelodeons da Biograph, produtora onde trabalhava David Griffith. Browning continuou a trabalhar com Griffith como ator mesmo depois do fim da Biograph, chegando a ser extra em “Intolerância”. Após muito atuar, decidiu tornar-se diretor, e fez seus primeiros curtas com aval e patrocinio de David Griffith na produtora Triangle Studios. Browning logo consolidou seu nome com vários curtas e filmes de longa-metragem. Após fazer Drácula fez o impressionante “Freaks”, um filme sobre (e com) aberrações de circo. Retratando a vida dessas pessoas deformadas que compoe uma classe separada na própria hiererquia do comunidade circense. Browning tornou-se um célebre diretor de horror, chamado por muitos o Edgar Allan Poe do cinema. “Feaks” causou contrvérsia por onde passou, e é proibido até hoje em alguns paises, como a Inglaterra..

Surgiu então a oportunidade de fazer Drácula de Bram Stoker. A primeira opção de Browning para o papel do Conde foi o ator Lon Chaney, ou o “Homem de mil faces”, o tradicional ator de filmes de horror antigo com seu rosto gótico e perturbador. Chaney fez clássicos como “London after midnight” do próprio Todd Browning e “O Corcunda de Notre-Dame”. Entretanto, ele morreu logo após o convite, fazendo com que tivessem que procurar um novo ator. Sua primeira escolha foi Conrad Veidt, que havia feito o papel do sonâmbulo Cesáre no clássico expressionista “O Gabinete do Dr. Caligári”, mas logo um ator novo lhe chamou atenção, e ele mudou de idéia.

O bonito galã Lon Chaney.

O Ator

Bela Lugosi nasceu na Hungria em 1882. A tentativa de revolução comunista em 1919 acabou com seus planos de continuar no país, ele havia ativamente apoiado o movimento com a idéia de conseguir melhores condições para os atores e artistas em geral. Muda-se então para a Alemanha, onde começa a atuar em vários filmes, inclusive alguns de horror (ele fez uma versão não-autorizada de “O Médico e o Monstro” de Robert Louis Stevenson). Mas as condições da Alemanha pós-primeira guerra também não eram boas para sua arte. Ele decide mudar-se para os Estados Unidos. Sem saber inglês, logo se ligou a colonia Hungara em Nova Iorque, e começou a atuar no teatro. Entretanto esse era um campo muito limitado. Ele finalmente fez uma peça em inglês, "The Red Poppy”, mas, como não sabia inglês, teve de decorar a peça fonéticamente.

Durante os anos vinte, Bela flutuou entre o cinema e o teatro. Seu forte sotaque contiunuava limitando seus papéis. Ele fez uma peça baseada em Drácula em 1927, com muito sucesso. Logo chamou a atenção de Todd Browning, que procurava o ator ideal para fazer o principe das trevas. A atuação de Lugosi em Drácula criou o tipo de vampiro que vemos no cinema hoje, seu sotaque húngaro acabou por tornar-se mais uma característica da personagem, e Lugosi tornou-se Drácula para sempre, sua imagem nunca mais se dissociou dos filmes de terror.

Lugosi teve muito sucesso nos anos trinta e quarenta, mas, entrou em franca decadência nos anos cinquenta, viciando-se em herôina, cocaína e morfina. Sem dinheiro ou respeito, e sem trabalho, tornou-se um homem recluso. Seus últimos trabalhos foram com o diretor Ed Wood, considerado o “pior cineasta do mundo”, que tentou livrar Bela das drogas e deu-lhe papeis em seus filmes de produção lamentável. Ele morreu em 16 de agosto de 1956, e seu pedido de ser enterrado com a capa de Drácula foi atendido.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Mutarelli, o expressionismo e o horror

A estética de Lourenço Mutarelli é a estética do grotesco.

Suas formas são disformes, seus personagens, perturbados, doentes, sofridos. Predominam as sombras, o escatológico, a morte, os inimagináveis processos pelo qual o corpo passa após o fim de suas funções vitais. A perda, a deformação, o desespero, o limite, o fim, a angústia, o pesadelo infernal de se viver em dor. Estes são temas abordados constantemente através da obra de Mutarelli.

Suas histórias, desenhadas predominantemente em preto e branco, nos remetem a um universo onírico, de escuridão, deformação, mutação e morte. Um universo enevoado, uma espécie de pesadelo perene, eterno e real, que é a realidade.

No universo dos quadrinhos, esta é uma abordagem relativamente recente, entretando, outras mídias gráficas já haviam explorado o disforme e o soturno. Em especial, o cinema. No final do século XIX, com a invenção do cinematógrafo pelos irmão Lumiére, tudo passa a ser asssunto para a câmera que registra imagens em movimento. Paralelamente, ao mesmo tempo pensadores como Freud trazem o desenvolvimento da psicanálise, que faz vir a tona todo um novo universo, o inconsciênte, que demanda ser explorado.

Nietzsche mata deus, há uma guerra mundial. Vivemos em tempos de mudança e caos. Se o Cinema precisa de uma tela branca que receba a projeção das imagens registradas em película, Freud propôs que o psicanalista funcionasse como uma "tela branca" onde o analisando "projetasse" suas fantasias.

Para Lourenço Mutarelli, sua “tela branca” é o papel, aonde ele imprime suas sensações e impressões mais negras. O cinema expressionista surge retratando a loucura, a doença, a morte. Os filmes expressionistas são sombrios e pessimistas, com cenários fantasmagóricos, exagero na interpretação dos atores e nos contrastes de luz e sombra. A realidade é distorcida para expressar conflitos interiores dos personagens.

A obra fundadora do movimento em sua vertente cinematográfica, “O Gabinete do Doutor Caligári”, dirigido por Robert Weine em 1919, passa-se justamente em um sanatório. Dois loucos conversam, e um deles conta uma bizarra e sombria história: em Holstenwall, uma pequena cidade no interior da Alemanha, um homem chamado Caligári controlava o sonâmbulo Cesáre.

Sob seu comando, Cesáre pratica pequenos assassinatos nas sombras. Denso e perturbador, todo o cenário de Caligári, com ângulos distorcidos, sombras fortes, cenários improváveis, perspectivas fora de eixo e proporções descabidas, remete a um pesadelo inconsciênte. E é esse uns dos efeitos que Mutarelli atinge em sua obra. Descascar a realidade e expor as desagradáveis entranhas do subjetivo, trazendo choque e confronto, são objetivos claros das obras do expressionismo e de Mutarelli.

O imaginário de Lourenço Mutarelli é povoado pela morte, pelo monstruoso e pelo deformado. Temos estes mesmos temas abordados em outra clássica obra Expressionista, “Nosferatu” de Friedrich Murnau. Livremente inspirado em Drácula de Bram Stoker, “Nosferatu” retrata a existência de uma criatura disforme, solitária, a procura de amor perdido. Um vampiro. Uma criatura noturna, que precisa matar outros seres humanos para sobreviver, se apaixona por uma mortal e deve mata-la para que possam ficar juntos.

Após a ascenção do nazismo o cinema expressionista Alemão é sufocado. A última grande obra é Metrópolis, uma fantasia futurista dirigida por Fritz Lang.

As produções experimentais vão para o surreal.

Como particularmente interessantes podemos destacar o trabalho de dois cineastas. “O cão andaluz”, filme de Luis Buñuel e do papa do surrealismo Salvador Dalí, e Freaks de Todd Browning, ainda que não exatamente um filme surrealista, ele tem diversos elementos surreal.

Em “O cão andaluz” temos a exploração do absurdo, do surreal, do imaginário e do violento. Uma amálgama de temas concentrados em 17 minutos de película sombria e perturbadora. Conforme uma nuvem passa pela lua, o olho de uma mulher é dilacerado por uma navalha. Um homem tropeça em uma mão decepada na rua. De outa mão, com um buraco no meio, saem formigas. A justaposição de imagens surreais e violentas nos leva a associar o que vemos com o inconsciênte. Da mesma forma, a obra de Mutarelli, em muito, explora os lados obscuros, negros e dormentes da alma humana. Não são raros seus painéis que abordam a religião, o sexo, a decomposição, tudo concentrado em uma única imagem.

Em "Freaks", de Browning, temos uma narrativa contada de forma tradicional. Em um circo, um grupo de aberrações humanas forma uma pequena família. Temos a mulher barbada, o homem sem pernas, a anão, a mulher com a cabeça encolhida, entre outros. Durante as filmagens foram usados atores realmente deformados, fato que causou censura e protestos a época de sua exibição.

Mais recentemente, temos os filmes do cineasta e roteirista de histórias em quadrinhos Alejandro Jodorowsky (que trabalhou com o francês Moebius em obras como “O Incal”) como “El Topo” e Holy Moutain. Nelas o absurdo também é explorado. Suas histórias, violentas, são povoadas pelo grotesco e ele também usou pessoas com defeitos congênitos em cenas de El Topo.

Outros cineastas contemporâneos como David Cronemberg e David Lynch também exploram o inconsciente humano e a fragilidade do corpo e da carne. Um sinal de nossos tempos, o pessimismo expressionista continua tão atual, aparecendo em diversas formas de expressão artística.

Como se vê muitos de seus elementos influenciaram o teor das histórias em quadrinhos atuais e a obra de Lourenço Mutarelli é um exemplo disso.

Visite o website oficial do artista aqui.

Cidade de Deus




“Cidade de Deus” surpreende não pelo tópico que aborda, mas pela maneira como o faz. A História é bem amarrada e bem contada, através de flashbacks e quebras na narrativa que se justificam e se encaixam muito bem no final.

O filme é construído de forma cuidadosamente encaixada através de várias digressões, elípses e pequenos flashbacks internos. A narrativa faz com que o espectador acredite poder prever o que irá acontecer, em vários momentos, mas essa previsão não se cumpre.

A história começa nos anos 60, passa pelos 70 e vai até os 80, com reconstituição de época muito bem feita. Figurinos, cenários, objetos de cena, cortes de cabelo, música, carros; tudo bem cuidado. A fotografia é contemporânea, fazendo uso de recursos modernos de edição e efeitos. com movimentos de câmera ousados, câmera lenta, acelerada, e planos irregulares. A edição é composta por cortes rápidos e entrecortados.

Uma seqüencia de estupro é particularmente interessante. A violência em si quase não é mostrada. Nesta cena o filme trabalha apenas com som, imagens fragmentadas e fora de foco, e total escuridão e silêncio. Som e imagem vão e vem em quebras, entre incomodos e duradouros segundos de tela preta. As tomadas de escuridão e surdez indicam os desmaios e a desorientação da personagem. Uma seqüência absolutamente impressionante e criativa, o filme faz uso dos sentidos para incorporar o público a ação.

Em suma, “Cidade de Deus” é um excelente filme. Conta uma história muito bem amarrada, com dramaturgia em destaque, um roteiro sólido e é, técnicamente, impecável. Muitos tem atacado o filme justamente por essa razão, o que soa incongruente e paradoxal.

Deveria o filme ter fotografia e recursos de edição mal acabadados para que fosse bom? Acredito que não. De qualquer maneira ele cumpre seu objetivo, de passar sua história de uma determinada maneira. Ele é convincente e extremamente impactante. Não acredito que exista uma maneira de sair do cinema ileso após assistir a esse filme. Bem ou mal, ele exige uma reação.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Os quatro do apocalipse


Foi lançado em DVD de banca, e agora se encontra por dez reais em lojas do centro de São Paulo, o western spaghetti "Os quatro do apocalipse" (I Quattro dell'apocalisse, 1975) Trata-se de um western interessante e atípico, em vários sentidos, feito pelo cineasta de filmes de horror gore splatter pegajosos Lucio Fulci.

No oeste, na segunda metade do século XIX, o jogador malandro Stubby, interpretado por Mario Testi, que antes já havia feito o excelente "Era uma vez no oeste" chega em uma pequena cidadezinha com seu deck de cartas marcadas. Imedia
tamente é preso e colocado na cadeia com uma prostituta (Lynne Frederick) um bêbado alcoolatra compulsivo (Michael J Pollard) e um negro mentalmente perturbado (mas de bom coração) que fala com os mortos (Harry Baird).

Do lado de fora da cadeia acontece um massacre, comandado por grupos de bandidos locais e ignorado/opoiado, indiretamente, pelo xerife, que janta calmamente enquanto pessoas são assassinadas em cenas de sangueira típica do Bava. Os quatro são libertos depois do massacre, pegam uma carroça e fogem pelo deserto, procurando uma cidade próxima. E aí surgem problemas.

O filme tem cenas totalmente gore e splatter, marca registrada do Fulci, e uma trama muito bem amarrada, coesa e acima de tudo, interessante, com os quatro, que inicialmente se odeiam, gradualmente se aproximando uns dos outros. O personagem do negro, Bud, feito por Baird, tem uma voz bonita e sensível, e sua loucura é mostrada de forma crua mas ao mesmo tempo cheia de magia e mistério, e a prostituta interpretada pela Lynne Frederick é linda!

Frederick tem uma história triste: era uma atriz inglesa que fez muitos filmes de horror nos anos setenta como "Shock", "Vampire Circus" e "Phase IV", além de filmes interessantes como "No blade of grass", sobre um vírus mutante que destrói a terra, no qual ela faz parte de uma família que se refugia na Escócia, "Nicolas e Alexandra", sobre a vida do último czar da Rússia (Lynne faz o papel de uma das filhas do czar, e é assassinada com a família, como ocorreu na vida real) e "The Amazing Mr. Blunden", um filme que entra no filão "Incrível fábrica de chocolate" feito na Inglaterra em 1972.

Aos vinte e dois anos, dois anos depois de fazer "Os quatro do apocalipse" ela conheceu o Peter Sellers, que já tinha mais de cinqüenta anos. Casou-se com ele, mas três anos depois Sellers morria de um ataque do coração. Frederick herdou a maioria do dinheiro do ator inglês, deu apenas pouco mais de dois mil dólares para cada um dos filhos dele (!!!), e ainda processou a Universal Pictures devido a coletânea de cenas não utilizadas dos filmes da Pantera cor de rosa "A trilha da pantera cor de rosa (1982)", disponível no Brasil em DVD, que considerou mal uso da imagem de seu ex marido, ganhando mais um milhão de dólares.

Morreu em 1994, aos 39 anos, devido a problemas com alcoolismo.

Dinheiro não é tudo.

Após essa breve digressão, de volta ao filme:

A Lynne está lindíssima, e o filme foi fotografado com algum filtro difusor muito utilizado nos anos 70, que deixa os reflexos e luzes naturais mais brilhantes e esfumaçados, fazendo as imagens remeterem aos trabalhos do
fotógrafo inglês David Hamilton. Isso ajuda a criar o clima onírico e poético que permeia várias cenas. Há uma seqüência numa cidade semi-abandonada, com ex mineradores imundos, que vivem na neve, que é muito
bonita, na qual homens durões e brutais, bêbados, violentos e sujos, deixam seus corações gradualmente amolecerem e mostram o lado hospitaleiro e altruísta, do ser humano, recuperando a humanidade, que haviam perdido com o fim do minério em sua cidade.


Paralelamente o filme tem cenas de brutalidade e violência poucas vezes vistas no gênero. Claro, se trata de um spaghetti western dos anos setenta, gênero que flerta muito com a violência, mas este tem cenas de tortura e canibalismo que vão mais longe do que o padrão.

O final é amargo e pesado, com uma excelente colocação (indireta, vocês que concluam) sobre a inutilidade da violência e da dor da perda. Bonito mesmo. A última tomada, com por do sol e todo o cenário típico de Western é muito bonita, e cheia de uma melancolia silenciosa.

Vejam que é bom. O melhor filme do Fulci que assisti, mostra um lado sensível deste macabro cineasta que eu desconhecia.

A edição brasileira é tirada do recente relançamento deste filme pela distribuidora americana Anchor Bay, e incluí cenas excluídas pela censura norte americana anteriormente.

The four of the apocalypse.



“The four of the apocalypse” (I Quattro dell'apocalisse, 1975) is not your typical western, not even for an spaghetti, a genre that is different for itself. Made by gore specialist Lucio Fulci, its also an unusual film for this director of horror, zombie and often surreal films.

The plot: gambler Stubby Preston (played by Mario Testi, a veteran of the classic “Once upon a time in the west”) arrives in a small western town, with his deck of marked cards ready to play. He is immediately arrested and put in jail with a prostitute (the delicately beautiful Lynne Frederick) an alcoholic drunk (Michael J. Pollard) and the weirdest of the three outcasts, a young black man with a kind heart but a tenuous grip on reality and the “ability” to speak with the dead (Harry Baird). Soon enough, Fulci goes to his gore, and the whole city is annihilated in a bloody massacre, fully explored in human red with all its gut wrenching violence, a sequence made, no doubt, in order not to disappoint the die hard fans of Fulci violence. The four outcasts are then released in the western desert by the corrupt sheriff, and, with a station wagon, wander through the desolated planes, looking for shelter. Initially they hate each other. What could a dodgy (albeit charming) gambler, a young pregnant prostitute, a drunken slob and a crazy man have got not only in common, but to hold them together as a team? The plot is very tight and well developed (loosely based in novels by western writer Bret Harte, it was written by the prolific Italian screenwriter Ennio de Concini, who went to work with Tinto Brass of “Caligula” fame, as also for several made for TV works). The most developed character might be Bud, the crazy black man, a figure that evokes madness through his strange and often incoherent dialog and actions, but proves to be captivating with his delicate voice full of mystery, sensibility and magic. Problems arise when the group crosses paths with the sadistic murderer “Chaco”, a strange, mystical half Indian, hunter, shamanic character, brilliantly played by Tomas Milan. Chaco submits the protagonists to consumption of psychedelic drugs (a seventies reference and trademark, no doubt), rape and violence, and leaves them to die in the desert. But they don’t. They survive, gather strength in a ghost town and look for shelter, finding it in a small city. Immediately before going to the town, they meet a preacher which decides to follow them, and who advises: “God knows what we will find, they are strange people”, which sets the tone for what the writer had in mind when he decided to put that scene in. The fact is he knew his main female character was pregnant and she would, eventually, have the baby. It’s not clear if he designed the lost city to have such a strong meaning in the story, or if he just came up with it so he would have a background for the childbirth scene. In any case, this became the strongest emotional sequence in the entire film.

They arrive in a snow-ridden village, populated solely by men. The sequence starts dark and without hope: after the protagonists were subjected to days of relentless persecution and violence, Bunny, the prostitute, goes through the ordeal of having a child. Almost a ghost town, the city is a decaying corpse of the mining days, where lonely, bitter, men dive into anger, despair and alcohol. The beautiful young girl enters labor and there is not a woman in sight. She needs the help of men who lost hope and joy in life. In fact, their lives are so empty that the arrival of a new case of whiskey is a welcomed change in their cold routine.

The infant is brought into a metaphorical, and literal, desert of ice and hopelessness: the son of a prostitute, probably being the fruit of violence and neglect himself. Unwanted, born in a city of men that don’t care for life anymore. The expectation created by the scene, and the whole film, is that we are going to be presented to even more brutality and harshness.

But then comes the only glimpse of light in the whole film: as the baby is being born, the men in the city become involved. They cheer and care about it. They want this new life to triumph. The child is adopted by the men. He brings them a sense of new life, hope and most of all: re-beginning.

When Bunny finally gives birth, she is completely drenched. Dying, she asks Stubby “I’m I a mother Stubby?” with the innocence of a teenager. Knowing that Bunny will die, Stubby assures her that it’s a boy. As Bunny dies, the music mellows, and we are supposed to do too. The film then borderlines on over sentimentalism, but it manages to save itself from a cliché in the nick of time: as Bunny dies and reveals her love for Stubby, she tries to touch his face. Hardened by the desert and being a gambler, used to hide his feelings, Stubby is unable to reply, and only cries after she’s dead. This beautiful scene explores very well the character’s psyche and feelings, fully exploiting its potential, background and characteristics. The photographer, Sergio Salvati, who worked with Fulci in his most well known classics “Zombie” and “The Beyond” makes effective use of typical diffusive lenses, making all lights very soft and ethereal. This sort of illumination was very common in 70’s films, and British photographer David Hamilton is famous for making photographs and films with this kind of illumination. The atmosphere created by them certainly helps the dreamlike and poetic tone of the film, and, of course, of the childbirth sequence. The end, as it couldn’t be different, is bitter and heavy, with an excellent depiction of the uselessness of violence and the anxiety and misery provoked by loss. Beautifully and eerily painful. The last shot, with a typical western blood red sunset is as beautiful as it is silently melancholic. A strange, small European film, about a dark, gritty American west. It’s certainly amongst Fulci’s best, and it’s definitely worth checking. Out on crisp new edition by Anchor Bay video, restored with before censured scenes and a good documentary, “Fulci of the apocalypse”, featuring interesting interviews with the surviving main members of the cast, Milan and Testi (the beautiful Frederick, formerly wed to Peter Sellers, died at 39 of alcohol abuse and Baird passed away in 2005 due to cancer).

segunda-feira, 16 de abril de 2007

O Expresso do Horror

                                                            

Agora imaginem um filme feito em 1972 que misture ALIEN com O ENIGMA DO OUTRO MUNDO e EXPRESSO PARA O INFERNO.

Parece bom demais?

Nada! Foi feito por Eugenio Martin e se chama EXPRESSO DO HORROR.

Novamente temos Peter Cushing e o conde do horror Christopher Lee reunidos em uma película com monstros.

Somos apresentados a narração de Lee:

"O que segue é a declaração a associação geológica real feita por este que vos escreve, Alexander, Saxton. A descrição é verdadeira e fiel aos fatos que cairam sobre nossa expedição na Manchuria. Como líder da expedição, eu devo aceitar a responsabilidade por seu fim desastroso. Entretanto, deixarei para o julgamento dos honoráveis membros da sociedade a decisão de a quem culpar por essa catástrofe"


Vejam só, tudo começa em 1906, quando um antropologista interpretado por Lee encontra, nas geleiras inóspitas da Manchuria, o fóssil congelado de uma criatura que pode ser o elo perdido entre o cro-magnon-homo-antecessor-homem-de-rhodesia com os humanos contemporêneos. Quase a chibatadas, ele põe orientais para carregar uma caixa enorme com seu espécime dentro do trem trans-siberiano, em direção a Rússia. E aí irão iniciar-se problemas, é claro!

A população do trem já é interessante por si só: além do antropólogo Lee temos Cushing como um médico (Dr. Wells), um estranho místico inspirado em Rasputin, interpretado por Alberto de Mendoza e belas atrizes coadjuvantes que serão devidamente devoradas.

Apesar das advertências de Lee, é claro que alguém decide abrir a caixa com o fóssil.

Acontece que o fóssil na verdade é de uma criatura alienígena que chegou na terra milhares de anos atrás. E ela tem o poder de, com seus olhos vermelhos, sugar o cérebro de quem encontra, absorvendo toda a informação existente dentro dele. Segue uma cena de Cushing serrando uma cabeça para descobrir o cérebro de um guarda do trem russo não tem mais as enrugações que são provocadas pela nossa memória, ele está absolutamente liso!

O monstro está a solta no trem fazendo vítimas, seus olhos ficam vermelhos no escuro e ele causa sangramentos na boca, olhos e nariz de quem estiver a sua frente.

E então...

O filme vira um precursor dos filmes de zumbi atuais! Na verdade, a criatura espacial pode transferir-se de um corpo para outro, assim temos a suspeita eterna do "doppleganger", a cópia, como John Carpenter explorou profusamente em "O enigma do outro mundo".

Enquanto isso o trem não pode parar! Afinal, o monstro não pode ser solto nas estepes russas.

O clima de paranóia se instala. Enquanto Cushing e Lee formam a linha de frente, todos querem descobrir QUEM entre eles é o monstro, e o trem viaja a toda velocidade pelo gelo da Sibéria.

Finalmente eles conseguem mandar uma mensagem cifrada para a próxima estação de trem, pedindo ajuda ao exército local, que é comandado por quem? Por quem?

TELLY "Kojack" SAVALAS! No papel de um cossaco chamado CAPITÃO KAZAN!

Quando, em um determinado momento, o exército do Cap. Kazan consegue encurralar o monstro em um corredor, Savalas dispara:

"Atirem em qualquer coisa que sair daquela porta!"

Dr. Wells: "Mas e se o monge for inocente?"

Kazan: "Ahh, nós temos MUITOS monges aqui na Rússia!"

Inicia-se um massacre com direito a cenas gore e o exército russo caçando o monstro no escuro, em meio aos passageiros inocentes que agonizam entre tiros e espadadas.

A última meia hora tem mais gente morta através de espadadas, tiros dos cossacos e garradas do monstro do que MEU ÓDIO SERA TUA HERANÇA inteiro.

Diálogos geniais: o Rasputin perseguindo o monstro clamando "Tome o meu corpo, lorde satã!" a o que esse replica "Não há nada na sua cabeça, saia daqui!" numa óbvia crítica a religião, e o momento em que, quando todos estão reunidos sem saber quem é quem, um dos passageiros, um policial, pergunta a Cushing e Lee: "Mas e se um de VOCÊS for o monstro?" a o que Cushing replica "Nós? Nós somos INGLESES!"

Vamos aos fatos.

Trata se de um filme com:

- Christopher Lee e Peter Cushing
- Monstro bizarro com olhos vermelhos e garras ridículas que decepam pessoas
- Olhos e bocas sangrando a granel
- Monge louco russo satanista
- Cushing serrando uma cabeça para fazer uma autópsia
- Uma condessa polonesa
- Olhos colocados em uma placa de petri e observados em um microscópio
- Monstro fazendo observações filosóficas sobre sua chegada na terra há milhões de anos
- Exército de soldados zumbis
- Clima claustrofóbico dentro de um trem cercado por neve e gelo
- Telly Savalas no papel de um cossaco chamado CAPITÃO KAZAN distribuindo pontapés e sopapos a torto e a direito, fazendo Al Pacino como Tony Montana do Scarface parecer uma menininha.

Mistério! Intriga! Suspeitas! Horror! Risadas! Está tudo aqui. Robert Rodriguez e Quentin Tarantino gostariam de ser o Capitão KAZAN quando crescessem.

Assistam e deixem seus comentários!

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Theatre of Blood


Um dos filmes recentes que assisti e que, por diversas razões me deu mais prazer foi "Theatre of Blood" lançado em 1973. Película absolutamente genial do diretor inglês Douglas Hickox, que não chegou a fazer nada de muito interessante depois desse filme.

(Nem antes, na verdade)

Por sinal ele é pai do Anthony Hickox, diretor horrendo que anda fazendo filmes com Steven Segall por aí.

De qualquer forma, não sei se Hickox estava inspirado, se o roteiro (com ajuda, e muita, do Shakespeare, o que por si só já da um grande impulso a trama, é claro) se a época era propícia, ou se a equipe de produção inteira combinada fez a coisa virar. O fato é que "Theatre of Blood" é um dos melhores filmes do Vincent Price, ele mesmo reconhecia isso. É divertido, tem um humor negro genial, da vontade de esperar ver cada nova cena de vingança que vem pela frente, prende a atenção e tem zero de chatice.

Resumo resumido rápido, curto, breve, da trama: O célebre ator inglês Edward Lionheart (excelente nome, não?) é especialista em interpretar as peças de Shakespeare em teatros ingleses. Apesar de ser um ator bem razoável, ele sempre é escorraçado e humilhado pela crítica malvada e impiedosa do circulo de críticos de Londres. Um bando de burgueses pomposos, grosseiros, grotescos, gritantes, graves, galantes, gorfantes e muitas outras coisas negativas, com G.

Após a cerimônia de entrega do prêmio de melhor ator na última reunião do grupo, Edward, que perdeu para um ator iniciante, tem um colapso. Não acredita que perdeu. Desgostoso, faz uma cena escabrosa, barraco mesmo, na frente do clube, rouba o troféu que perdeu, como um menino mimado, e depois se joga num rio. Acho que no Tâmisa. (que na época, nem era assim tão limpo).

Acredita-se que Edward morreu. 

Acontece que Eddie Lionheart não morreu! E ele se voltou para vingar-se, e vingar-se com MUITO SANGUE! E aí que o filme se desenvolve. Apoiado por um grupo de mendigos londrinos (que me lembraram muito aqueles mendigos do Laranja Mecânica que espancam o Alex) ele, dramaticamente, traumáticamente e efusivamente re-encena seqüências de assassinato e mortes dantescas e sádicas das peças de Shakespeare das quais participou. E quem conhece Shakespeare sabe que o homem sabia matar com gusto. Cada um de seus impiedosos críticos deverá, portanto, sofrer uma morte horrível e criativa, enquanto Lionheart (o mesmo Edward a que venho me referindo, apenas mudei para o segundo nome) profere as falas criadas pelo, para usar um clichê, imortal bardo inglês!

E aí temos seqüências ge-ni-ais de humor negro! As primeiras mortes não fazem muito sentido. “Oh deus, o que está acontecendo? Por que ele foi mutilado por uma turba assim (Julius César)” mas logo percebe-se que não são meros assassinatos, há um modus operandi todo especial por trás do morticínio! O filme retrata como Lionheart e sua trupe conseguem levar, das maneiras mais criativas, os críticos a seu teatro abandonado (ou outras locações) e recriar as cenas violentas das peças de Shakespeare, culminando com a morte do malvado critico em questão. Temos aí então uma superposição de filmes! A cada quinze minutos (ou por ai) Vincent Price entra em cena e reproduz toda a cena da peça a qual se refere, REALMENTE interpretando Shakespeare ao pé da letra.

Dá gosto de ver ele citando “Now is the winter of my discontent” e eu devo dizer que concordo que os críticos foram exageradamente severos com ele, o cara mandava bem! Depois de criar a cena dentro da cena, o pobre crítico percebe que vai virar presunto, e o filme assume seu verdadeiro ar de horror com humor. GENIAL!

Em uma das seqüências, e contarei apenas essa com (algum) detalhe para não estragar o filme para vocês amiguinhos cinéfilos, Lionheart chama um fulano para seu teatro abandonado com uma desculpa evasiva, superficial. O homem vai, desavisado, e quando chega lá, está preparada a cena do “Mercador de Veneza” na qual Shylock, o judeu malvado, irá cobrar uma libra de carne do peito de Antônio. Após proferir todo o texto da seqüência na qual Shylock se prepara para esbifar Antonio, Lionheart muda a peça, e comete a ousadia (como diz um dos críticos) de “reescrever Shakespeare”. Na peça original Antonio é salvo no ultimo minuto. Mas em um filme inglês tosco dos anos 70 feito depois de Laranja Mecânica é evidente que isso não poderia acontecer! Em uma cena totalmente gore os dementes assistentes bêbados de Edward Lionheart imobilizam o malvado critico, e nosso querido Vincent remove o coração do fulano a sangue frio, em uma cena totalmente gore.

As seqüências irão se repetir, e não é necessário conhecer as peças do Shakespeare para divertir-se com os assassinatos, mas ajuda a dar mais risada. O fato é que você quer cada vez mais adivinhar QUAL vai ser a próxima peça utilizada e QUAL cena de assassinato/morte dela.

O filme tem aquele típico visual do cinema inglês setentista. Uma imagem meio suja, granulada, muitas tomadas feitas com câmera na mão, uso extensivo de locações e quase nada de estúdio, e muitos, muitos movimentos de câmera sem steadicam (que ainda não existia como hoje) que me lembraram Laranja Mecânica o tempo todo.

Claro que a trama toda remete ao Dr. Phibes, outro filme inglês com Vincent Price, no qual ele se vinga dos médicos que não conseguiram salvar/mataram a sua esposa. Mas é melhor, mais engraçado e diferente.  A equipe estava absolutamente inspirada, Vincent Price está muito bem, e as cenas dele lidando com sua trupe de mendigos terroristas são geniais. Anárquicas, cômicas, screwball pastelônicas. E cada morte é mais divertida do que a outra. A polícia tentando impedir o grupo de matar os críticos então, é genial. O mais bacana de tudo é que você torce pelo Lionheart, para que ele complete sua obra, para que ele encene todas as obras de Shakespeare apagando e apresuntando um por um seus desafetos. E a cada nova apresentação, Price nos brinda com interpretações de Shakespeare de fazer Laurence Olivier aplaudir.

O filme também conta com a presença agradável da Diana Riggs, atriz que fez o papel que Uma Thurman reprisou no filme baseado na série THE AVENGERS. Ou seja, ela era a atriz original da série, no papel de Emma sei lá o que. Como o filme foi feito em 73, ela ainda estava muito bonita, e vale a pena vê-la. Riggs faz o papel da filha de Edward.

Outro momento cativante é quando Lionheart se fantasia como o “cabelereiro Butch”, com uma peruca afro, o cabelo dos deuses, de fazer inveja a cotonete, o presidente de um dos fã clubes do Corinthians. Mais uma vez Price demonstra como é um ator versátil e bem humorado (sabiam que ele era cozinheiro e tem livros de receita publicados? Acabei de lembrar disso) fazendo papel de um cabeleireiro gay, uma coisa Clodovil/Clovis Bornay/Leão Lobesca mesmo.

O filme então é uma espécie de thriller policial separado em quadros nos quais críticos são assassinados em re-encenações de Shakespeare. É ou não uma grande idéia? Se alguém te falasse isso, você não falaria “Vai dar um roteiro bacana?” E se você filmar com mendigos hippies nos anos 70, usando câmera na mão, vai ficar melhor ainda amiguinho! Ah bons tempos! As mortes são deliberadamente engraçadas e contrastam com a interpretação sóbria, séria e profunda de Vincent Price proferindo suas (muito bem decoradas) linhas de Shakespeare enquanto corta, mutila, afoga e sufoca críticos.

Um pouco de informação para deixar vocês felizes:

Cerca de seis galões de sangue falso foram usados para a encenação dos assassinatos.

Diálogo genial entre um crítico pedindo clemência e Lionheart

“Críticos fazem erros, Lionheart, nos somos apenas... humanos!”

Lionheart: “Uma opinião da qual eu não consigo partilhar”

E quando Lionheart faz uma diatribe pró atores, em nome do trabalho dessa nobre classe:

“Quantos você já destruiu como destruiu a mim? Quantas vidas talentosas foram arruinadas por seus ataques? O que você sabe da dedicação e do trabalho duro dos homens e mulheres que fazem a arte mais nobre da terra? NADA! Você não tem a inteligência ou a habilidade para julgar, você apenas destrói os esforços dos outros por que lhe falta a habilidade de criar. Não Devlin, não, eu não matei Larding (um dos críticos) e os outros. EU OS PUNI, meu rapaz, eu os puni. Assim como você deverá ser punido!”

Seria esse um roteirista que se sentiu julgado por estúpidos e ressentidos a escrever um parágrafo tão grandioso sobre a suposta "maldade intrínseca" a profissão de “critico”?

Curiosamente, o roteirista do filme, Anthony Greville-Bell escreveu apenas mais dois filmes, sumindo do cenário cinematográfico. Posso apenas imaginar o que ele teria feito de divertido caso tivesse dedicado-se seriamente a fazer uma carreira como escritor de histórias de humor negro.

Enfim, “Theatre of Blood” é um filme excelente, deve ser assistido por todos aqueles de bom gosto, que queiram ver um pout pourri dos momentos mais gores de Shakespeare, tudo em um cenário setentista inglês de certa forma psicodélico, e com um humor negro de primeira linha. Aguardar cada novo assassinato é deliciosamente cruel e mantém o interesse do espectador todo o tempo. O que mais podemos querer de um filme de terror? Vocês acham que eu vou perder meu tempo indo ver um filme esloveno sobre uma menina que perdeu uma sandália na mostra de cinema se eu tenho “Theatre of Blood” em DVD a venda pela WORKS por dez reais?