sábado, 15 de novembro de 2008

A técnica cinematográfica de “O triunfo da vontade”


A técnica cinematográfica de “O triunfo da vontade”
Por Joaquim C. Ghirotti

O cinema alemão sempre foi pioneiro, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento de técnicas de produção cinematográfica como nas áreas de criação de uma narrativa própria, estética e identidade visual. Todo o movimento Expressionista, iniciado no cinema alemão na primeira metade do século vinte, produziu uma gama enorme de trabalhos extremamente criativos e influentes. Autores como Murnau, Fritz Lang e Robert Wiene imprimiram sua marca na história do cinema através de suas obras, dessa forma influenciando a maneira como a arte se desenvolveu através dos anos. Com a ascensão do Nazismo, a indústria cinematográfica alemã é englobada pelos ideais e necessidades do partido. Toda a técnica desenvolvida pelo cinema germânico até então será utilizada na produção dos radicalmente diferentes filmes nazistas, filmes que se prestavam a realizar não uma revolução de cunho estético, mas sim de uma afirmação conservadora de caráter político e social, empregando em suas imagens a ostentação grandiosa exigida por um cinema que deseja criar a comoção nacional em massa.

Ciente de que o cinema, uma arte em expansão e constante aperfeiçoamento, é uma ferramenta extremamente eficaz, Goebbels, o ministro da propaganda, faz com que a sétima arte torne-se a vanguarda da propaganda nazista. Recursos, fundos e exigências não são poupados para que as idéias do Reich alemão se concretizem na tela. Leni Riefesntahl, a principal realizadora de filmes dentro do movimento cinematográfico Nazi, teve acesso a equipamentos de primeira ordem e recursos ilimitados para filmar “O Triunfo da vontade”, a obra máxima da propaganda nacional-socialista.

Todas as comitivas, assim como a organização impecável em que se encontra a disposição dos elementos de cena se dão de acordo com a câmera. O congresso, portanto, se articula diante das necessidades da câmera. A direção do filme contou com auxílio de Albert Speer, arquiteto célebre que organizou as tropas de acordo com a filmagem. O uso de caríssimos guindastes e gruas para criação de movimentos fluidos de fotografia é corrente. Leni se utilizou de um arsenal de dezenas de câmeras e operadores (trinta e seis), teve uma equipe com cerca de 150 pessoas, nove cinegrafistas apenas para a seqüência em que utilizaram um dirigível e um avião de combate. Seus recursos eram muito maiores do que o padrão para o cinema alemão, ou mesmo internacional, da época. A equipe filmava simultaneamente um mesmo evento, para poder captar um maior número de ângulos da mesma cena. Assim, durante a edição em Movieola (equipamento criado para que se realize a montagem de um filme a partir do primeiro copião positivo) ela teve uma infinidade de opções disponíveis para criar a narrativa. Dezenas de rolos de filme 35 milímetros, uma película de alta qualidade e extremamente cara, foram usados para que se fotografasse a mesma cena, simultaneamente, em alguns casos repetidas vezes. Rudolph Hess construiu elevadores capazes de levantar as câmeras por 30 metros de altura, a mesma medida de um pequeno prédio de apartamentos, para fotografar uma multidão de um milhão de pessoas. Toda a iluminação criada para os discursos dos membros do partido nazista é feita em função das câmeras. Em determinado momento, Speer arquitetou uma “catedral de luzes” com 130 holofotes anti-aéreos. O uso correto de estandartes, a ambientação e disposição das luzes e horários em que os discursos foram filmados foram feitos de maneira a fazer com que o melhor resultado possível pudesse ser atingido na tela de cinema. O objetivo era preencher a tela da forma mais eficiente possível. Quando disposta a luz do sol, Leni procura filmar os protagonistas a contra luz, criando assim longas sombras, captadas pelas sempre eficientes objetivas Alemãs. Leni utiliza predominantemente à objetiva “normal” de 50 milímetros. Assim mesmo estando submetida as intempéries características da produção de um documentário, sua imagem não perde o foco, ganhando sempre nitidez e realismo. A proporção dos corpos dispostos é mantida de forma a não despertar suspeitas de verossimilhança, pois o filme quer mostrar que o que ele fotografa É realidade.

Riefennstahl utiliza-se em muito, também, de primeiros planos e planos de detalhe. As mãos dos soldados tomam a tela por completo, tornam-se enormes, as feições, estáticas, monolíticas. A luz faz com que os rostos dos oficiais e soldados alemães sejam blocos de granito, lisos, polidos, intimidantes e sem falhas. Isso se deve, particularmente, a iluminação extremamente forte que Leni usa. Enormes refletores com milhares de watts de potência, voltados para a cena que se desenvolve em sua frente. Assim ela cria tomadas aonde o preto e branco, brilho e sombra, são usados em alto contraste, um recurso estilístico que marca muitas cenas do filme. O som é extremamente irregular. Leni faz uso de música de estúdio assim como capta o som direto, ou seja, o som do momento que se desenrola em sua frente, e manipula os volumes assim como a entrada dos mesmos de forma fluida e sincrônica durante a mixagem. O objetivo é fazer com que música, discurso e ruídos formem um amalgama que faça sentido em sua totalidade e que sejam encarados como realidade. Durante a narrativa, discursos do Fuher são interrompidos e iniciados dada a necessidade de se realizar aquele ou esse corte. O som incidental, o clamor do público, os ruídos de motores a movimentação humana, se dão de acordo com a atenção central da câmera. Novamente disposta de sofisticados equipamentos de captação sonora, Leni pode captar separadamente ruídos, o som da multidão, músicas e o próprio discurso de Hitler. A combinação destes elementos captados separadamente é criada quando todos são mixados e o resultado é adicionado, nos volumes corretos, sobre a imagem já montada. Assim música e aplausos, ovação e palavras de ordem são orquestradas de maneira a invadir a tela de forma aparentemente natural. O cenário audiovisual criado por Leni Hiefesntahl é completo quando os cortes de som e imagem são sobrepostos e atingem simetria total. Toda a movimentação e enquadramentos usados no filme também levam em consideração os cenários e locações utilizados ao longo do filme.


Segundo o próprio Fritz Lang, um dos principais cineastas europeus, que abandona a Alemanha logo após a ascensão do nazismo (mas deixa sua influência marcante no cinema germânico, tanto que o próprio Hitler o convidou a ser o cineasta oficial do Reich após assistir “Metropolis”, filme de ficção científica do consagrado diretor) a arte do cameraman implica em um híbrido de sensibilidade humanista e conhecimento lógico, prático e empírico. Em suas próprias palavras: “Ele se empenha na plástica do filme por intermédio da matemática”. Desprovidos de cores, os filmes do chamado “cinema nazista” trabalham exclusivamente com um jogo de luzes e sombras. As texturas conseguidas por Leni e sua imensa equipe de filmagem são resultado de fotometria calculada, de atenção total tomada em relação ao filme utilizado, as luzes disponíveis, ao ângulo e foco escolhidos, a distância do objeto sendo fotografado, a lente posta. A equipe de “O Triunfo da vontade” também inova no cinema alemão ao escolher novas posições de câmera para realizar os filmes. A diretora torna-se uma pioneira e especialista em realizar tomadas aéreas (a chegada clássica do Füher a cidade, literalmente vindo dos céus de avião, foi fotografada de maneira espetacular) e a utilizar locações. Até então a produção cinematográfica mundial, e em especial a alemã, usava predominantemente cenários e estúdios para realizar suas filmagens, recorrendo as locações apenas quando realmente necessário. A segurança dos estúdios e todo o arsenal de recursos (incluindo ai os cenários) que eles ofereciam eram o trunfo maior que o cinema tinha. A partir do momento que Riefenstahl tem de fotografar e retratar a “realidade” o seu campo é por excelência a locação, e ela usa isso em sua vantagem.

O cinema alemão estava tomado pelos ângulos obtusos, curiosos e inquietantes da escola expressionista. Os autores procuravam fugir da realidade e mergulhar no espaço onírico e fantástico do mundo de sombras e pesadelos proporcionado pela imaginação humana. O cine nazi vai diretamente contra essa tendência e procura a retratar o grandioso, o sublime, o perfeito, o organizado. Vão se os experimentalismos, consagra-se e sedimenta-se a imagem clássica, bem enquadrada, criando impacto subretudo emocional e não, como se dava nos filmes expressionistas, intelectual.


Com o advento do cinema nazista temos agora a câmera colocada de forma a captar eventos grandiosos, sua posição de “mergulho” e “contra mergulho” (com variações que podem ir, dentro do eixo vertical, de 0 a 180 graus), assim temos o engrandecimento das figuras. Multidões são orquestradas para serem vistas de cima para baixo, personalidades, de baixo para cima, tendo assim ampliadas a sua magnitude e potência. O cinema político nazista não vem para romper barreiras estéticas e narrativas, como toda propaganda, ele vem já calcado em o que é clássico, para reafirmar o que foi dito. As imagens colossais utilizadas nos filmes remetem a grandiosidade da arte greco-romana. Todo o ideal estético contido no imaginário alemão é reutilizado de forma a caber dentro de um padrão clássico facilmente reconhecível e absorvível. Ao dar voltas de 360 graus ao redor de Hitler durante um discurso Leni faz um uso pioneiro da câmera fixada em trilhos para criar a dinâmica de cena. A câmera retrata o ditador em sua potência máxima, sendo observado como uma figura articulada e em movimento. A ação não parte do objeto fotografado mas sim da própria máquina que o fotografa. Hitler é uma figura onipresente, captado em constante ação por todos os ângulos possíveis. A fluidez de movimento, foco e profundidade de campo, dadas as limitações técnicas impostas pela época, é impressionante. O fato é que Leni consegue criar uma estabilidade extraordinária, o que ressalta ainda mais aos olhos se levarmos em conta o aspecto documental do discurso, o evento histórico que se desenrolava em frente a equipe de produção sem permitir refilmagens.

Leni Riefenstahl é uma precursora do cinema grandioso, do cinema maniqueísta. Dessa forma, a mensagem moral que seus filmes passam se assemelha assustadoramente a utilizada e progressivamente sofisticada até os dias de hoje por Hollywood. Um dos maiores filmes de propaganda já feitos, “O triunfo da vontade” acaba sendo uma das marcas iniciais pela qual se consagra o épico, o perfeito, o sublime e o grandioso. Sua obra influência gerações, e seus extravagantes recursos técnicos são copiados e utilizados até hoje, para que se atinjam os mesmos efeitos visuais sobre os espectadores. Tão verdadeiro quanto assustador.

3 comentários:

nchd9604@hotmail.com disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
nchd9604@hotmail.com disse...

Adoro expressionismo alemão e achei esse texto muito interessante. Valeu por postar

Anônimo disse...

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