quarta-feira, 24 de junho de 2009

Hoje eu me apaixonei por seis minutos

22/11/2007

Estava eu caminhando em um poético e bonito pôr-do-sol alaranjado de fim de tarde quando atingi meu destino: a prosaica festa de livros da USP.

Os pores-do-sol da USP são bonitos. Lá o terreno é mais plano do que na maior parte de São Paulo, e dá para ver o horizonte. Algo que sempre me emociona e me espanta quando saio dessa cidade, onde quase sempre vivi.

Solitário, começo a ver os livros. Aquela coisa sensacional, milhares deles, tudo, tudo tão interessante que dá vontade de ler pra sempre.

Estava me amaldiçoando por não ter pego uma blusa (já que tenho sentido cada vez mais frio ultimamente; eu era bem resistente quando criança e adolescente) já que a brisa de fim de tarde arrepiava meus braços, quando adentrei aquele enorme vão do saudoso prédio da História e da Geografia, lugar de profunda sabedoria e conhecimento! Ah sim! Muito! Lugar onde, afinal, passei quatro anos e meio da minha vida.

Lugar que me deu o diploma que ostento orgulhosamente no escuro da minha gaveta de escrivaninha, lugar onde assinei um documento me comprometendo apenas fazer pesquisa histórica em nome da justiça e do progresso humano! Um lugar cheio de curvas, sombras e memórias que jamais irão fugir de minha mente de de meu coração! Lugar onde aprendi, amei, chorei, transei e ri.

Quase uma novela.

Solitário, começo a ver os livros. Aquela coisa sensacional, milhares deles, tudo, tudo tão interessante que dá vontade de ler pra sempre.

Também sou possuído por uma vontade de fazer uma magia que fizesse com que aquela montanha de gente desaparecesse para que eu possa alcançar os livros com maior facilidade.

Ao mesmo tempo ondas nostálgicas de ter ido em todas as festas do livro, desde a primeira, no ano em que entrei na USP, e de tudo que vivi naquele prédio, se apossam de mim.

São muitas emoções, gente!

Caminhando entre estudantes hippies, um gordo metaleiro com uma camiseta do DIO e professores, vou direto ao stand da Conrad, onde preciso pegar alguns volumes para completar coleções de livros e quadrinhos.

Ah! GordecamisetadoDio! Membros dessa espécie, normalmente jogadores de RPG, são comunmente vistos na USP e são espéciemes belos da fauna da Universidade. Devem ser preservados. Habitualmente virgens, são bons de papo e entendem de mitologias Européias e sabem muito sobre torrents pornôs em evidência.

Uma senhora pergunta a um vendedor: "O senhor tem livros de arte?" e ele responde: "É que aqui nós consideramos quadrinhos arte". Ela diz "Ah, tá" e vai embora.

O vendedor tem tatuagens de símbolos que eu vejo em academias de Yoga nos dois antebraços.

Que prazer tenho ao ver a figura de Conan estampada na capa das edições dos volumes I e II das sagas do cimério que, eu não sabia, foram lançadas aqui!

Acredito que o perfil de toda minha fonte de prazer na vida determinou-se até meus 15, 16 anos.
Ou seja, sou um nerd infantil.

Mas isso não vem ao caso.

O que vem ao caso é que....

Estou lá, desavisado, com os olhos passando por imagens de Mangás, desenhos de Robert Crumb e figuras do Sandman... Quando vejo a loirinha.

A loirinha é "inha" na medida em que esse diminutivo proporciona as mais delicadas qualidades a moça. É meio brega, beirando o babaca falar isso. Mas ela não era uma loira.

Ela era uma loirinha.

A primeira coisa que sinto é vontade de abraçar e proteger ela.

Estava usando um moleton azul marinho antigo e puído, calça jeans e tênis All Star. O cabelo estava preso pra trás com fivelas bonitas e escuras, mas escorria pelos ombros, em ondas de amarelo e castanho claro. Seu olho é de um castanho muito claro.

Ela está folheando o livro do Lester Bangs, "Reações Psicóticas".

Me apaixonei.

Durou uns seis minutos.

Decidi que deveria dilatar aquele momento o máximo possível, e fiquei folheando um livro de ficção científica ao lado dela, bebendo sua beleza com os meus olhos. Sua beleza intimidadora nunca escapando de minha visão periférica.

Quando ela se decidiu, parou de ler.

Fechou o livro, colocou a mão na bolsa e de dentro dela tirou uma carteirinha de plástico transparente, antiga,, com dinheiro; umas poucas notas visíveis através do plástico translúcido.

Fiquei imaginando onde ela arranjou aquela carteirinha, se ela ganhou de uma amiga, se comprou numa loja de 1,99, e há quanto tempo tinha ela.

Imaginei onde ela deixa a carteira quando chega em casa. Talvez em cima da mesa? Do lado da cama? Pensei que queria estar com ela quando ela escolheu comprar a carteira.

A carteira era um pedacinho de plástico que parecia frágil e pequenininho, assim como ela é loirinha. Não era uma carteira grande da Louis Vuitton, um objeto arrogante, ostentador, deselegante, inseguro, vulgar.

Era um saquinho de plástico que combinava com ela ser loirinha e gostar de algo simples.
Desejei que a mente dela fosse transparente como o plástico da carteira, para que eu pudesse saber de tudo que ela gosta e fazer pra ela.

De relance, olhei o lado do seu rosto, ela estava olhando para algo a direita e com parte da nuca virada pra mim, seu rosto fazia uma curva bonita escondendo seu nariz, enfim, eu via só sua bochecha. Era macia e fofinha. Dava para ver os pelinhos no rosto dela, transparentes. Como a carteira.

E tinha uma pintinha pequena, clara.

Ela esticou a mão para a esquerda e pegou outro livro, algo sobre um fumador de ópio, mas não era o do DeQuincey, que vejo pra vender em bancas, em edição da L&PM.

Com uma voz muito, muito baixinha, ela perguntou o preço dos livros ao vendedor. Ele consultou uma tabela e disse, e ao invés de responder, ela apenas assentiu com a cabeça e deu os livro a ele. Começou a separar o dinheiro.

As unhas dela eram pequenas e curtinhas, sem pintura, transparentes como a carteira. Os dedos eram finos e delicados, como de uma criança.

Eu deveria ter chegado junto, e na melhor tradição do xaveco instantâneo falado: "O Bangs falando sobre Van Morrisson nesse livro é demais"

Ou ainda, dito: "Adorei sua carteirinha de plástico, seu moletom antigo e seu All Star, você é tão simples e bonita quanto uma flor, dá vontade de te abraçar e sentir seu aroma e beijar sua bochecha. Posso?"

Mas decidi não fazer nada.

Ela pagou, deu as costas a mim saiu pela saída ao lado da antiga biblioteca, sendo consumida pelas sombras do fim-da-tarde. O sol não estava mais lá.

Vi seu All Star e sua calça jeans - no tamanho exato para o corpo dela - desaparecendo e fiquei triste.

Para ela, foi só mais um dia, mas para mim, ela está imortalizada aqui.

Provavelmente ela é, e sempre vai ser, muito mais bonita na minha memória do que na verdade.

Mas é assim que eu quero que seja.


4 comentários:

Marxperience disse...

Hahaha, esse texto é espetacular. Que bom que você compartilhou com o mundo.

Anônimo disse...

Muito legal, Plagues! :D

phantomlink do Joio

nchd9604@hotmail.com disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
nchd9604@hotmail.com disse...

Que fofo! Pena que vc não falou com ela, fiquei triste.

ahaha a palavra da verificação de palavras para postar aqui é "tespanto"; Será que te espanto com meus comentários perdidos neste blog abandonado?