sexta-feira, 6 de abril de 2007

Theatre of Blood


Um dos filmes recentes que assisti e que, por diversas razões me deu mais prazer foi "Theatre of Blood" lançado em 1973. Película absolutamente genial do diretor inglês Douglas Hickox, que não chegou a fazer nada de muito interessante depois desse filme.

(Nem antes, na verdade)

Por sinal ele é pai do Anthony Hickox, diretor horrendo que anda fazendo filmes com Steven Segall por aí.

De qualquer forma, não sei se Hickox estava inspirado, se o roteiro (com ajuda, e muita, do Shakespeare, o que por si só já da um grande impulso a trama, é claro) se a época era propícia, ou se a equipe de produção inteira combinada fez a coisa virar. O fato é que "Theatre of Blood" é um dos melhores filmes do Vincent Price, ele mesmo reconhecia isso. É divertido, tem um humor negro genial, da vontade de esperar ver cada nova cena de vingança que vem pela frente, prende a atenção e tem zero de chatice.

Resumo resumido rápido, curto, breve, da trama: O célebre ator inglês Edward Lionheart (excelente nome, não?) é especialista em interpretar as peças de Shakespeare em teatros ingleses. Apesar de ser um ator bem razoável, ele sempre é escorraçado e humilhado pela crítica malvada e impiedosa do circulo de críticos de Londres. Um bando de burgueses pomposos, grosseiros, grotescos, gritantes, graves, galantes, gorfantes e muitas outras coisas negativas, com G.

Após a cerimônia de entrega do prêmio de melhor ator na última reunião do grupo, Edward, que perdeu para um ator iniciante, tem um colapso. Não acredita que perdeu. Desgostoso, faz uma cena escabrosa, barraco mesmo, na frente do clube, rouba o troféu que perdeu, como um menino mimado, e depois se joga num rio. Acho que no Tâmisa. (que na época, nem era assim tão limpo).

Acredita-se que Edward morreu. 

Acontece que Eddie Lionheart não morreu! E ele se voltou para vingar-se, e vingar-se com MUITO SANGUE! E aí que o filme se desenvolve. Apoiado por um grupo de mendigos londrinos (que me lembraram muito aqueles mendigos do Laranja Mecânica que espancam o Alex) ele, dramaticamente, traumáticamente e efusivamente re-encena seqüências de assassinato e mortes dantescas e sádicas das peças de Shakespeare das quais participou. E quem conhece Shakespeare sabe que o homem sabia matar com gusto. Cada um de seus impiedosos críticos deverá, portanto, sofrer uma morte horrível e criativa, enquanto Lionheart (o mesmo Edward a que venho me referindo, apenas mudei para o segundo nome) profere as falas criadas pelo, para usar um clichê, imortal bardo inglês!

E aí temos seqüências ge-ni-ais de humor negro! As primeiras mortes não fazem muito sentido. “Oh deus, o que está acontecendo? Por que ele foi mutilado por uma turba assim (Julius César)” mas logo percebe-se que não são meros assassinatos, há um modus operandi todo especial por trás do morticínio! O filme retrata como Lionheart e sua trupe conseguem levar, das maneiras mais criativas, os críticos a seu teatro abandonado (ou outras locações) e recriar as cenas violentas das peças de Shakespeare, culminando com a morte do malvado critico em questão. Temos aí então uma superposição de filmes! A cada quinze minutos (ou por ai) Vincent Price entra em cena e reproduz toda a cena da peça a qual se refere, REALMENTE interpretando Shakespeare ao pé da letra.

Dá gosto de ver ele citando “Now is the winter of my discontent” e eu devo dizer que concordo que os críticos foram exageradamente severos com ele, o cara mandava bem! Depois de criar a cena dentro da cena, o pobre crítico percebe que vai virar presunto, e o filme assume seu verdadeiro ar de horror com humor. GENIAL!

Em uma das seqüências, e contarei apenas essa com (algum) detalhe para não estragar o filme para vocês amiguinhos cinéfilos, Lionheart chama um fulano para seu teatro abandonado com uma desculpa evasiva, superficial. O homem vai, desavisado, e quando chega lá, está preparada a cena do “Mercador de Veneza” na qual Shylock, o judeu malvado, irá cobrar uma libra de carne do peito de Antônio. Após proferir todo o texto da seqüência na qual Shylock se prepara para esbifar Antonio, Lionheart muda a peça, e comete a ousadia (como diz um dos críticos) de “reescrever Shakespeare”. Na peça original Antonio é salvo no ultimo minuto. Mas em um filme inglês tosco dos anos 70 feito depois de Laranja Mecânica é evidente que isso não poderia acontecer! Em uma cena totalmente gore os dementes assistentes bêbados de Edward Lionheart imobilizam o malvado critico, e nosso querido Vincent remove o coração do fulano a sangue frio, em uma cena totalmente gore.

As seqüências irão se repetir, e não é necessário conhecer as peças do Shakespeare para divertir-se com os assassinatos, mas ajuda a dar mais risada. O fato é que você quer cada vez mais adivinhar QUAL vai ser a próxima peça utilizada e QUAL cena de assassinato/morte dela.

O filme tem aquele típico visual do cinema inglês setentista. Uma imagem meio suja, granulada, muitas tomadas feitas com câmera na mão, uso extensivo de locações e quase nada de estúdio, e muitos, muitos movimentos de câmera sem steadicam (que ainda não existia como hoje) que me lembraram Laranja Mecânica o tempo todo.

Claro que a trama toda remete ao Dr. Phibes, outro filme inglês com Vincent Price, no qual ele se vinga dos médicos que não conseguiram salvar/mataram a sua esposa. Mas é melhor, mais engraçado e diferente.  A equipe estava absolutamente inspirada, Vincent Price está muito bem, e as cenas dele lidando com sua trupe de mendigos terroristas são geniais. Anárquicas, cômicas, screwball pastelônicas. E cada morte é mais divertida do que a outra. A polícia tentando impedir o grupo de matar os críticos então, é genial. O mais bacana de tudo é que você torce pelo Lionheart, para que ele complete sua obra, para que ele encene todas as obras de Shakespeare apagando e apresuntando um por um seus desafetos. E a cada nova apresentação, Price nos brinda com interpretações de Shakespeare de fazer Laurence Olivier aplaudir.

O filme também conta com a presença agradável da Diana Riggs, atriz que fez o papel que Uma Thurman reprisou no filme baseado na série THE AVENGERS. Ou seja, ela era a atriz original da série, no papel de Emma sei lá o que. Como o filme foi feito em 73, ela ainda estava muito bonita, e vale a pena vê-la. Riggs faz o papel da filha de Edward.

Outro momento cativante é quando Lionheart se fantasia como o “cabelereiro Butch”, com uma peruca afro, o cabelo dos deuses, de fazer inveja a cotonete, o presidente de um dos fã clubes do Corinthians. Mais uma vez Price demonstra como é um ator versátil e bem humorado (sabiam que ele era cozinheiro e tem livros de receita publicados? Acabei de lembrar disso) fazendo papel de um cabeleireiro gay, uma coisa Clodovil/Clovis Bornay/Leão Lobesca mesmo.

O filme então é uma espécie de thriller policial separado em quadros nos quais críticos são assassinados em re-encenações de Shakespeare. É ou não uma grande idéia? Se alguém te falasse isso, você não falaria “Vai dar um roteiro bacana?” E se você filmar com mendigos hippies nos anos 70, usando câmera na mão, vai ficar melhor ainda amiguinho! Ah bons tempos! As mortes são deliberadamente engraçadas e contrastam com a interpretação sóbria, séria e profunda de Vincent Price proferindo suas (muito bem decoradas) linhas de Shakespeare enquanto corta, mutila, afoga e sufoca críticos.

Um pouco de informação para deixar vocês felizes:

Cerca de seis galões de sangue falso foram usados para a encenação dos assassinatos.

Diálogo genial entre um crítico pedindo clemência e Lionheart

“Críticos fazem erros, Lionheart, nos somos apenas... humanos!”

Lionheart: “Uma opinião da qual eu não consigo partilhar”

E quando Lionheart faz uma diatribe pró atores, em nome do trabalho dessa nobre classe:

“Quantos você já destruiu como destruiu a mim? Quantas vidas talentosas foram arruinadas por seus ataques? O que você sabe da dedicação e do trabalho duro dos homens e mulheres que fazem a arte mais nobre da terra? NADA! Você não tem a inteligência ou a habilidade para julgar, você apenas destrói os esforços dos outros por que lhe falta a habilidade de criar. Não Devlin, não, eu não matei Larding (um dos críticos) e os outros. EU OS PUNI, meu rapaz, eu os puni. Assim como você deverá ser punido!”

Seria esse um roteirista que se sentiu julgado por estúpidos e ressentidos a escrever um parágrafo tão grandioso sobre a suposta "maldade intrínseca" a profissão de “critico”?

Curiosamente, o roteirista do filme, Anthony Greville-Bell escreveu apenas mais dois filmes, sumindo do cenário cinematográfico. Posso apenas imaginar o que ele teria feito de divertido caso tivesse dedicado-se seriamente a fazer uma carreira como escritor de histórias de humor negro.

Enfim, “Theatre of Blood” é um filme excelente, deve ser assistido por todos aqueles de bom gosto, que queiram ver um pout pourri dos momentos mais gores de Shakespeare, tudo em um cenário setentista inglês de certa forma psicodélico, e com um humor negro de primeira linha. Aguardar cada novo assassinato é deliciosamente cruel e mantém o interesse do espectador todo o tempo. O que mais podemos querer de um filme de terror? Vocês acham que eu vou perder meu tempo indo ver um filme esloveno sobre uma menina que perdeu uma sandália na mostra de cinema se eu tenho “Theatre of Blood” em DVD a venda pela WORKS por dez reais?

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