segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Inglorious Basterds


Pois é meus queridos, foi aqui no ODEON de Canada Water que eu assisti a essa última peraltice ANIMADÉRRIMA do Tarantino. Fui com grandes expectativas pois já tinha lido muito sobre o filme, e sabia que não seria pouca coisa. Muitos anos atrás, em uma galáxia distante, comprei alguma revista de cinema americana (que ainda tenho) no qual Tarantino citava como uma referencia sua o grande "Where Eagles Dare". Dizia: "Sempre quis fazer um guys in a mission movie! Where eagles dare é um dos melhores filmes do mundo!". Na epoca a única platarforma tecnológica para reprodução caseira e em massa de imagens audiovisuais que existia era o VHS, e aluguei tudo que pude da lista dele. Foi logo depois de Pulp Fiction sair. Lembro que essa lista me revelou "Rolling Thunder", que me entreteu bastante lá por 93 ou 94.
Inglorious Basterds é, provavelmente, o melhor filme que o Tarantino já fez. Só não é melhor do que Pulp Fiction por que este é importante demais, históricamente. Pulp Fiction deu cara a uma geração específica dos anos 90 e marcou o mundo de posers estilosos, hipsters e frequentadores da galeria ouro-fino. Deu luz a fãs de citações, cineminha cult, intertextualidade, surf music e poseragem heroin chic. Todo um movimento pré-internet de pessoas que passeiam pelo mundo sendo indiferentes a tudo e apegadas a índices de cultura popular que "impressionam" encontrou significado nesse filme. Ele fez deu voz ao Cool. É um marco, já entrou para a história do cinema como fundador do cinema poser, cheiro de referencinhas, meio anos 70, mas ainda no seu tempo, boca suja, violentinho, todo mundo blasê, inafetado por sangue. Os personagens são, afinal, descolados e seguros demais para se importarem com alguém morrendo. Marcou... Não podemos negar, não podemos negar, meninos! E criou uma geração de seguidores, estes que fazem filmes medíocres com gangsters que fazem piadas e depois mergulham em violência e cenas chocantes. Como por exemplo o ex-Madonna, guy Ritchie; essencialmente um Tarantino inglês de segunda categoria.

Acima de tudo, seu cinema não é um cinema sobre a vida ou relações humanas, mas sim sobre o próprio Cinema, coisas que o Tarantino assistiu quando era um adolescente (periodo que nunca abandonou, aliás). É um Cinema para cinéfilos, repleto de cenas derivadas, violência e choque barato. Mas extremamente divertido. Tudo que liga as situações-citações de Tarantino é um dos mais primais acontecimentos testemunhados pelo homem: os eventos tomados por violência, que irão submeter seu espectador a excitação e prazer, mas raramente a empatia. Ou seja, Tarantino, de maneira geral, celebra valores egoístas e excessivamente preocupados com estetica. Trata-se de um cinema essencialmente pós moderno; consumista, niilista, hedonista, individualista, criado por signos, onde não se é o que se é, mas sim o que se parece, o que se veste e o que se representa, o que se tenta parecer. Acima de tudo, Tarantino faz um cinema de status. Estritamente ele é efemero e anti-intelectual, seu cinema é eminentemente voltado para a estetização e a emoção, a superficialidade. Ele não desenvolve algo genial sobre os temas que explora e não investiga os personagens que retrata e suas trajetórias com causas e consequências, qualquer que seja o tema que está explorando: a vida no crime, ser um policial, testemunhar a guerra. Nada disso importa, desde que seja pano de fundo para violência estilizada. Seus personagens não tem valores. Entropia, a destruição de valores e a confusão deles, predomina numa mistura de citações de cultura popular.

Apesar de Tarantino estar lidando com Nazistas, isso é uma mera escolha estética baseada na herança cinematográfica que ele teve como criança, assistindo filmes sobre o tema. Como ícone pós-moderno que ele é, seu cinema é eminentemente despolitizado; sua preocupação não é com a origem do Nazismo, seus efeitos, causas, consequências. Sua narrativa não se preocupa em tentar entender a mente do oficial Aldo Landa ou o trauma de Shosanna . Os Nazistas são inimigos herdados por sua infância assistindo filmes da Segunda Guerra. Sua preocupação está em explorar cenas de ação e conflito com fortes momentos emocionais e forte estilização estética. Convenientemente o Nazismo é a encarnação do mal puro no inconsciente (e no consciente) coletivo do ocidente contemporâneo, o que permite a Tarantino se dar ao luxo de alegremente torturar soldados Alemães na tela, completamente livre de qualquer sentimento de culpa, tanto para ele como artista como para o espectador.

Justificado pelas atrocidades cometidas pela Alemanha Nazista, Tarantino tem sinal verde para trucidar pessoas na tela com requintes de crueldade e ódio adolescente. Seu cinema é anti-humanista, sem preocupação nenhuma com questões morais. A escolha tampouco é patriota ou, como nos filmes de Segunda Guerra originais, voltada para a excitação da ação, da batalha. A glória de se lutar pelo país, tão bem representada por séries como "Combate" ou atores como John Wayne, não interessa a Tarantino. Estes valores se encontram abaixo de algo maior, que é a nostalgia do diretor por suas referencias cinematográficas e de uma guerra que permitia, com algum senso de justiça, crueldade com o inimigo. Seu cinema é um cinema de CENAS. Cenas que devem se tornar memoráveis, marcar a memória do espectador como sequências estéticamente bem acabadas. Pequenas momentos que importam mais do que a premissa como um todo. É um cinema sem valores, hedonista. Há a procura do prazer estético e da criação de cenas violentas. É um cinema narcisista, preocupado eminentemente com estilo, estilização e aparências.

 De qualquer forma, Tarantino resolveu botar a cabeça pra funcionar, e superou Kill Bill. Não que o filme escape de seus cacoetes, mas algo mudou. Filmes de caras numa missão tem uma tendência a apresentarem ao menos uma boa estrutura para uma aventura. Basicamente IB é uma aventura de RPG, na qual os jogadores são os Basterds e a missão deles é matar muitos nazistas, com bonus points se eles pegarem oficiais do alto escalão, claro. Aliás, QUALQUER campanha de RPG que eu já tenha jogado é melhor do que 90%, empiricamente, dos filmes de ação que eu assistí. 

A premissa já ajuda o filme a ser bom. Filme que se passa nos anos 40. Não vai dar, tanto assim, para o Tarantino fazer citações grosseiras, mergulhar em referencias a obscuros filmes asiaticos... Tem até uma cena na qual um nazista apaga um cigarro num crepe, ou torta. E se isso nao é ser cool, desencantado e estiloso, eu não sei o que é.

Ele, de certa forma, esgotou essa ideia de parodiar cinema dos outros nos Kill Bill, que são sim bons, mas convenhamos, olhem pro seus corações, examinem suas almas; são eles melhores do que assitir LOST? Não, não são. São muito melhores do que alguns episódios de Dexter? Também não. Não são nem melhores do que episódios antigos de Além da Imaginação. E quando voce faz um filme-citação que é divertido, mas não é melhor do que episódios de Star Trek, você tem problemas, meus amigos. Você esta em apuros. Mesmo que você seja um sucesso. Só não percebem isso os deslumbrados. Filme do Bruce Lee e alguns animes são melhores, mais divertidos, corpulentos e vitaminados do que Kill Bill. Por exemplo, "Vampire Hunter D" ou "Ninja Scrool". E isso é um problema, por que eles não foram tão celebrados quanto, e mereciam muito mais. O que nãoo faz um investimento em MARKETING, não é mesmo?




Tenho um VHS do "Inglorious BASTARDS" original, "O Maldito Trem Blindado", e trata-se de um filme de ação muito divertida, com cenas gigantescas e épicas, no qual um grupo de soldados Norte-Americanos tem que explodir um trem... Maldito. Bom filme, um "Dirty Dozen" espaguete, com baixo orçamento e bastante ação. Não tem NADA a ver com esse. Ou seja, ele comprou os direitos para ter o nome, já que não é uma refilmagem. 

Basterds já se inicia com uma cena muito bem montada; numa fazenda francesa, onde o malvado Nazi HANS LANDA interroga de forma inteligente e genial um fazendeiro leiteiro e suas filhas. Nesse momento Tarantino faz valer sua fama de fazer diálogos grandiosos, e a coisa atinge um clímax/conflito que irá levar de forma épica a próxima cena. Chega as raias da genialidade no crescendo das falas. O diálogo é uma inquisição perversa do NONCHALANTE Landa imputada sobre o bondoso fazendeiro, com uma maldosa parábola sobre ratos e Judeus, tudo ocorrendo enquanto uma família Judia está escondida debaixo do chão de madeira. Isso, meus amigos, é saber fazer conflito no cinema. Me mostrem cinco filmes nacionais dos últimos 30 anos que tenham uma cena assim. Não há. Em outra longuíssima cena, de 20 minutos, ele faz um inocente jogo de bêbados virar uma disputa por informações e percepções sutis em um diálogo em Alemão que se torna uma algo impressionante. Ele leva, leva e leva a tensão com o diálogo e finalmente ESTOURA tudo em uma erupção catártica de tiros e sangue que precisa ser vista para ser compreendida em sua totalidade total.


E depois desse clímax, OUTRO. Em uma nota, o diretor do que (dizem, nunca vi) é o filme HOSTEL, Eli Roth, faz um judeu forte com taco de baseball, que passeia cometendo atrocidades.


Simplesmente sen-sa-cio-nal a atriz Diane Kruger que faz a Alemã nazista Bridget Von Hammersmark. E a Shosanna Dreyfuss tambem nao fica atrás. Proprietaria de uma beleza meio Natassja Kinsky, faz uma dona de um cinema, vejam só. E é obrigada a exibir um filme Nazista da época, um filme dentro do filme, que ficou ótimo, sobre um franco atirador alemão que mandou desta para melhor umas duas centenas de aliados, em uma liberdade criativa do Tarantino que convence, entretem e enriquece tudo. Um dos Basterds inclusive é um teórico de cinema! Vive disso! Como eu! Me senti cúmplice desse personagem!

 
Michael Fassbender como o crítico de cinema Archie Hicox.

 
Mélanie Laurent é Shosanna Dreyfuss

De qualquer forma, o Atirador Alemão é ao menos parcialmente inspirado no ator Audie Murphy, que, diz a lenda, mandou dessa para melhor dezenas de soldados Alemães e virou herói nacional na década de 40. Vi em DVD o filme que ele fez sobre si mesmo, "To Hell and Back", e a fita tem o mesmo principio do filme dentro do filme do Basterds. Murphy foi o soldado Norte Americano mais condecorado existente. Outro bom (e curto) filme com ele é "A Glória de um covarde", também baseado nas confissões, no caso literárias, de um soldado, desta vez um veterano da Guerra da Secessão. Tem em DVD.

Audie Murphy e suas medalhas.  
To Hell and Back - A maior bilheteria da história da Universal até "Tubarão" de Steven Spielber ser lançado, em 1975. 

Portanto, o filme é uma campanha de RPG com você e seus amigos torturando Nazistas pela Europa, e paralelamente a historia de Shosanna e seu admirador nazista, exigindo que ela faça a premiére de seu filme em Paris. Belas cenas de Paris, sob ocupação Nacional-Socialista. 

Percebe-se, aliás, que Tarantino escreveu e reescreveu o roteiro. Existem várias tangentes narrativas que ele poderia ter seguido para a história, os cortes foram, de certa forma, meio aleatórios, e duvido, na verdade, que o clímax do filme fosse originalmente onde é. Todos os personagens tem uma sólida historia anterior, mas ele teve que se conter, ou faria uma minissérie. Todavia, toda essa informação dá envergadura ao roteiro e aos personagens. Você mal vê alguns dos Basterds, mas sabe que eles tem todo um passado que poderia perfeitamente ser explorado em uma série de TV. 

O cinema Alemão tambem é explorado, em amplas citacões. Muito nerdismo e fanboyzismo, nesse sentido, para agradar pessoas mais informadas do que vocês. Sempre me esqueço de como Tarantino despreza qualquer morte. Nenhum dos personagens se importa com gente morrendo em seus filmes, colegas massacrados e moscas são a mesma coisa, cenas de violência extrema entram e saem como se nada tivesse acontecido, e isso é irreal, imaturo, inseguro e desrespeitoso com o tema (violência). 

Apesar da violença gratuita e do poserismo de fanboy alucinadinho, apesar de tudo isso, o filme tem guys in a mission na Segunda Guerra Mundial, objetivo claro, Nazistas sendo escalpelados, final apocalíptico com gargalhadas fantasmagoricas e, finalmente, adentrando a filmografia de Tarantino, uma cena de morte bonita e LÍRICA, emocionante, épica! Com trilha do Ennio Morriconne! Tarantino mostra que não é apenas um californiano cínico, comedor de cheetos, que ficou vendo filme de kung fu em locadora. Mostra que tem um coração! E que entende amor, dor, traição e perdão. 

Ou, ao menos, consegue fazer um simulacro do que viu destes temas em outros filmes. Excelente cena de morte. 

Assistam, são 3 horas que passam rápido. É uma mistura de "Where Eagles Dare" com filme do Ettore Scola e pinceladas de "Cinema Paradiso". O clímax é glorioso, épico, e é a coisa mais anti-alemã que ja vi na vida. Preencheu minhas expectativas, e me surpreendeu. Sejam fanboys e vejam.

5 comentários:

Nicolas Prado disse...

vc escreve como fala, e isso é bem bom. eai quando tem coisa nova?

nchd9604@hotmail.com disse...
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nchd9604@hotmail.com disse...
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nchd9604@hotmail.com disse...
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Nossa, encontrei alguém que escreve mais que eu! Bom, sou suspeita para falar, pois acho que eu seria morta na sua revolução cultural, embora eu concorde que ele marcou o mundo de "posers estilosos, hipsters e frequentadores da galeria ouro-fino". Porém, há gente que não tem nada a ver com esse estereótipo, e que aprecia e entende as referências e auto-referências do Tarantino de uma outra forma. Mas entendo seu ponto de vista e concordo em partes com ele, embora nunca deixarei de amar a estética do Tarantino.
Ótimo blog, pena que pelo jeito está abandonado...
ps: desculpe pelos comentários apagados, alguns são por erro do meu computador, outros são pq eu escrevo muito rápido e quando vejo que cometi algum erro de digitação, eu quero apagar. É uma paranoia minha